Mija vive em Gyengii, noroeste da Coreia do Sul, com o neto, de quem dá notícias a uma filha distante.
De menina, tem um sonho: aprender poesia. É essa vontade que a faz levar com um sorriso, a simplicidade e a dureza do seu dia-a-dia: entre o alheamento do rapaz e a exigência física e psicológica do trabalho doméstico que presta a um homem acamado, Mija frequenta aulas de poesia no centro cultural local.
Certo dia, toma conhecimento do suicídio duma colega de escola do neto. Pior que o lamento provocado pela dor imaginada nos pais da rapariga, vem a saber do contributo do neto para o sucedido.
Por mais duro que fosse o seu quotidiano, Mija não está preparada para a dor da incompreensão, do desconhecimento e não identificação com o neto, a quem ama acima de tudo. Como se não bastasse, depara-se com uma doença degenerativa.
Já não é só o que a rodeia que lhe provoca estranheza. Agora, Mija enfrenta também a possibilidade de não se identificar consigo própria.
Mas esta mulher é forte e, por mais ensombrado o seu presente, não desiste de procurar a poesia, certa agora de que esta não existe apenas nas coisas belas da vida. Poesia, via de transcendência e eternidade, que acredita preservar intactas a sua essência e a sua humanidade.
Prémio para Melhor Argumento em Cannes, “Poesia” (“Shi”) é um belo conto sobre uma velha senhora que toca notas de filosofia oriental, ao mesmo tempo que aborda temas temporais e intemporais: a forma como novos e velhos lidam com a solidão, consigo próprios e com a sua intimidade; como a sociedade se equivoca apressando-se a compensar situações de crime (apenas) com dinheiro, como se abre ou não espaço à arte, à beleza das coisas, ou, ainda, como tratamos o drama e a dor, buscando neles a pureza da nossa essência, da das coisas e pessoas que nos rodeiam.
Numa recusa muito evidente de soluções simplistas para acontecimentos dramáticos, Lee Chang-Dong, realizador sul-coreano concebe este belo filme como um alerta, ao arrepio do que mais teme acontecer: morrer a poesia.
Margarida Ataíde