Muitos parecem os dias quando se espera receber, mas poucos depressa se tornam até à hora de pagar.
Uma periclitante gestão do tempo mas, sobretudo, do dinheiro, é o tema que Margarida Leitão nos traz no seu novíssimo filme, em estreia nas nossas salas. Um documento que ilustra, puro e simples, os difíceis tempos das famílias, ou indivíduos que se deixaram seduzir pelo vertiginoso facilitismo consumista.
Três, quatro, por vezes mais de dez ou vinte são o número dos créditos e dos milhares de euros acumulados por alguns dos muitos devedores que acederam participar neste documentário, muitos dos quais aceitando viver, pelo período de vigência do contrato celebrado com as diversas financeiras, com menos de cem euros por mês. Possível? Aparentemente sim. Mas apenas até ao uso do montante creditado… passado o uso e, muitas vezes, o abuso, começa a tormentosa viagem aqui testemunhada pelos que acordaram de uma mirabolação para o pesadelo do sobrendividamento.
De uma actualidade dolorosa, “Muitos Dias Tem o Mês” não possui nada de extraordinariamente cinematográfico, nada de tecnicamente construído nem de comoventemente melodramático; não recorre à eloquência nem a nenhum inflamado “mea culpa”.
Porém, na sua minimal simplicidade, é um pungente retrato de uma certa miséria e de outra certa (auto-)comiseração: uma miséria que não é exclusivamente nacional, não é exclusivamente actual, nem tão pouco exclusivamente social. Sobretudo, nenhuma delas comporta juízos acima da nossa própria fraqueza (condição?) humana.
Com contido e pertinente sentido de evidência, Margarida Leitão e a sua equipa escusaram-se a reforçar o que aos poucos se revela:
Que há por detrás do sobreendividamento um espectro de miséria, que vai da real necessidade financeira à pobreza do julgamento perante um ímpeto.
Que há uma atitude de comiseração que nos deve fazer a todos, não só aos protagonistas que ali o expressam, repensar o paradigma da nossa vida e sociedade.
Que há, isto passado, um excelente ponto de partida para seguir adiante: de cara lavada e alma renovada!
Margarida Ataíde