Passaram dois anos desde que Lars von Trier agitou, da mais profunda forma na sua carreira, as águas cinematográficas com o seu “Anticristo”. Chocando uns, provocando repulsa e admiração noutros, a verdade é que o seu filme a ninguém que o tenha visto (e até mesmo a muitos que o não viram) deixou indiferente. Era então uma composição duríssima de extraordinária mestria técnica sobre a perda de um filho e a progressiva degradação a que o sentimento, sobretudo da mãe órfã de filho, vota o casal.
“Melancolia” (136 minutos) é uma nova incursão num ambiente depressivo, que se revelou entretanto uma tónica autobiográfica de Von Trier, e que o realizador parece querer resolver nos seus filmes.
No dia do seu casamento, Justine (Kirsten Dunst), bem sucedida executiva de publicidade, frágil e depressiva, procura gerir o momento rodeada de uma estranha família. Tem tudo para ser feliz, não fosse, subitamente, vislumbrar no céu imenso a aproximação de um estranho planeta… Melancolia.
Apesar da ameaça de colisão do planeta com a Terra pairando sobre todos os convidados, Claire (Charlotte Gainsbourg), a irmã de Justine, não perde a compostura nem denuncia o cenário apocalíptico que se avizinha. Contudo será este que determina todo o resto do filme, divergindo as duas irmãs na forma como encaram esta possibilidade fatal.
Num registo totalmente diferente de “Anticristo”, o cineasta dinamarquês, que há muito abandonou a linha Dogma 95, continua a fazer bom uso da câmara à mão e mantém as suas principais preocupações éticas e estéticas: personagens restritas (mesmo que aqui comece pela imensidão de convidados para a boda); tensão psicológica, mesmo quando subtil; uma técnica exemplar – combinando, só na sequência de abertura, várias composições fílmicas; um cenário apocalíptico e, com ele o levantamento de questões perfeitamente comuns às da espiritualidade/religião, tratados de forma metafórica. Por vezes dura, mas poética.
Margarida Avillez Ataíde