Cinema: Mais um dia feliz

Na América contemporânea, Annapolis, estado de Maryland, prepara-se o primeiro casamento da terceira geração de uma família tradicional.

Podia ser simplesmente mais um dia feliz, mas ao mesmo tempo que se erguem os preparativos para o grande acontecimento na propriedade do avós Joe e Doris, os alicerces que sustentam as relações entre os vários membros parecem prestes a desmoronar-se.

Lynn, mãe do noivo e de Alice, Elliot e Ben, os três últimos filhos de uma segunda união e cada qual enquadrado numa patologia conveniente e específica, é quem suporta o maior fardo, equivalente à quota parte de responsabilização que os restantes membros da sua geração lhe atribuem na disfuncionalidade familiar.

Numa estrutura que atravessa uma fase de mudança basilar, com o agravamento da doença do patriarca da família, o ímpeto, a rebeldia e a necessidade de se questionar protagonizadas por Lynn e os filhos mais novos são tomados como ameaça ao decoro e à imagem geral, mas são também a oportunidade de catarse…

Sam Levinson, que herda do pai Barry Levinson o peso de um património cinematográfico diversificado e mundialmente reconhecido, com cinco nomeações para os Oscars e outras tantas para o Urso de Ouro de Berlim (arrecadando ambos os prémios com “Encontro de Irmãos” e o Urso de Ouro também com “Manobras na Casa Branca”), estreia-se na realização de longa metragem com “Mais um dia Feliz”.

Uma corajosa e sensível abordagem ao tema das relações familiares, numa família como tantas outras e num contexto de profundas mudanças no seu seio, não alheadas de uma sociedade também em rápida mutação, a que evita interrogar-se e utiliza toda a sorte de estratagemas e substâncias que evitem perscrutar-se. Sem ceder a qualquer facilitismo que pudesse atenuar o risco da sua primeira obra, Sam Levinson revela uma boa dose de maturidade e grande independência de espírito: na forma como sustenta a necessidade de repensar a família, recusando a hegemonia e a conveniência de uma estrutura fragilizada como forma de a fortalecer; e conseguindo lentamente expor a verdade para além da aparência, o que afinal a fragiliza, para aos poucos buscar as suas possibilidades de restruturação.

Margarida Ataíde

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