Conhecido sobretudo pelas suas assumidas posições de esquerda, Nanni Moretti é um cineasta em que o humor corrosivo é uma constante. “O Caimão”, sua obra mais recente, volta a misturar as duas componentes que mais aprecia, embora se centre agora mais sobre a direita, deixando as considerações de esquerda praticamente reduzidas a um apontamento inicial de leitura bastante dúbia, entre a caricatura e o elogio. Caimão era a alcunha política muitas vezes aplicada a Berlusconi, e é sobre ele e a sua política que Moretti constrói o argumento do filme. É uma crítica de grande dureza, envolvida num conto em si mesmo simples e romântico, sobre um produtor que quer levar a bom termo um filme sobre Cristóvão Colombo mas, perdidos os direitos sobre o original, adopta um argumento de uma principiante, em que o centro é Berlusconi. Mas também os contratempos se sucedem, perdendo o actor principal, o realizador e o maior financiador do projecto, não deixa por isso de prosseguir apesar da escassês de meios, entregando à argumentista a realização e contratando um actor de ocasião (que dá lugar a um pequeno papel a Nanni Moretti). Tudo conjugado vamos passando pelos ensaios e interpretações de diferentes actores no papel de Berlusconi, cada um contribuindo de sua forma para um retrato político e social muito depreciativo, inclusive através de trechos com o próprio ex-Primeiro Ministro, retirados de noticiários de televisão. Moretti parece já não ter – ou apenas não ter tido no caso presente – a inspiração transbordante que marcou os seus filmes “Palombella Rossa” e “Caro Diário”, ou mesmo o drama “O Quarto do Filho”, mas não perde totalmente o profundo sentido de observação que nos permite ficar com uma análise lúcida, mesmo que partidária, de um político que marcou profundamente os anos mais recentes da História de Itália. Francisco Perestrello