Cinema: «Hereafter – Outra Vida» – Clint Eastwood para lá da Morte

Custa a crer, mas Clint Eastwood faz 81 anos de idade e 56 de carreira este ano. Porque duvidaríamos então da sua coragem para enfrentar, no cinema, o fim da vida terrena? Porque é ele que recusa, terminantemente, a associação do tema escolhido para o seu mais recente filme à provecta idade de que goza… de plena saúde mental, note-se bem!

E, se revirmos num instante a sua filmografia, subscrevemos o que afirma com toda a naturalizade: “se tivesse 30 anos, escolheria igualmente este tema . O material (argumento) é bom.” Provavelmente o que melhor resume a longa  e profícua carreira do realizador/produtor que revelou, como poucos, que o sucesso no cinema não se faz à custa de sofisticação nem de “timming” comercial, mas de uma história bem contada que diga algo às pessoas: levando-as além de si mesmas, a reflexões nunca antes experimentadas, ou simplesmente devolvendo-lhes a sua realidade, mas sempre num prisma profundo, crítico, mesmo que aparentemente simples.

Como actor, a sua história simboliza provavelmente o melhor do cinema americano: começou na indústria mas cedo resistiu à instrumentalização: deixou uma “major” quando esta lhe retirou a margem de manobra e investiu na liberdade cinematográfica até se tornar dono e senhor das suas próprias criações – com produtora incluída, a célebre Malpaso.

Um enorme preâmbulo este para enquadrar “Hereafter – Outra Vida”: numa idílica estância turística da Ásia, num bairro periférico de Londres e numa cidade dos Estados Unidos, três pessoas passam pela dolorosa experiência da morte. De forma totalmente diferente, uma jornalista francesa, o pequeno Marcus e George, com capacidades psíquicas invulgares, questionam a vida, a sua condição humana e a transcendência, tendo por comum a certeza de que há algo mais, muito mais, para além da vida terrena.

Com a tranquilidade e o espírito aguçado que a experiência de vida lhe deu, Eastwood empresta a mais um dos seus filmes uma qualidade de envolvimento rara na maioria da produção actual. Sem qualquer pressa e num registo maioritariamente poético, pontuado de humor, que transforma até, inexplicavelmente, o inverosímil em credível, alheia-se por completo da atracção pelas mensagens vertiginosas com (falacioso) carácter de urgência. E ainda, assim, a cada instante, irónica e contemplativamente, diz: É urgente acreditar!

Margarida Ataíde

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