O colégio de cardeais reúne-se no Vaticano para eleger o novo Papa. Reunidos em conclave os mais altos representantes da Igreja Católica levarão o tempo necessário para que do seu discernimento, resultado da iluminação do Espírito Santo, emane a escolha do novo Papa.
A eleição será difícil, até que, com Nanni Moretti, “Habemus Papam”. Mas o pior chega quando, no momento de assumir a sua eleição e após aceitá-la por palavras, o novo Papa é tomado pelo pânico e pede tempo para repensar a decisão.
A partir daqui, Nanni Moretti desdobra-se em duas vias: a do drama vivido por um homem que esquece, num complexo processo de amnésia, até a ação do Espírito Santo que o levou até ali, e não se sente preparado para a missão de que é incumbido; e a comédia que envolve a vida no Vaticano até que este homem, ou novo Papa, se sinta capaz de assumir uma postura perante a sua nova condição.
Na via dramática que acompanha a dúvida dum homem, agora Papa, Moretti opta por uma abordagem sóbria de recurso minimal à psicanálise que nos permite compreender a necessidade de um humano de se reencontrar e reconhecer como pessoa, as suas expectativas e as expectativas dos outros sobre si, sobretudo num momento em que estas últimas atingem tão elevado nível. Ainda que seja difícil imaginar um homem chegar a tal patamar de uma vida em igreja que combina, como poucas, espiritualidade e hierarquia, sem nunca se questionar ou ser questionado sobre si próprio, o percurso deste cardeal/papa tem algo de tocante na sua necessidade de se reencontrar como homem, qualquer homem, entre iguais. E que nos lembra as incursões pelas ruas e vielas de Roma de Anthony Quinn, em “As Sandálias do Pescador”.
Já na visita virtual ao Vaticano, e no imaginário sobre o ambiente que envolve a eleição de um Papa, Moretti gere uma comédia, seguindo a sua mais popular veia criativa e caricatural para mostrar e explorar um mundo povoado de homens/cardeais fechados sobre si próprios, imaturos e parados no tempo, adotando premissas surpreendentemente descabidas como a da impossibilidade da coexistência de consciência e de alma, e todo um processo de (não)comunicação encabeçado por um assessor de imprensa impensável nos dias de hoje. Com tantas soluções verdadeiramente possíveis para resolver uma situação de hesitação ou de renúncia, perfeitamente consignada pela Igreja, só conhecendo Moretti para degustar este como um filme que tem muito mais sobre si, como realizador e como persona-psicanalista (que o próprio também satiriza) do que sobre a Igreja propriamente dita.
Com o distanciamento proporcional ao nosso verdadeiro conhecimento da vida e fundamento da Igreja que amamos, distinguindo realidade e ficção, nunca é, porém, de desprezar o olhar mesmo que em comédia dum cineasta de hoje para dentro da Igreja, atendendo sim ao registo mais ou menos sério que utiliza, e à honestidade, ou não, de uma mensagem sobre o que mais nos diz respeito. Mesmo que não a subscrevamos.
Margarida Ataíde