Cinema: Django Libertado

Passam 30 anos desde que Quentin Tarantino encetou a sua carreira de realizador. E quem tenha visto ‘My Best Friend’s Birthday’, sua primeira obra (curta), com as limitações de um iniciado, depressa se aperceberia do olhar peculiar sobre as pessoas que somos, a forma de as expressar no cinema e de tirar partido das suas potencialidades. Pequena amostra, a que chamou sua ‘escola de cinema’ dum potencial que se revelaria não pelo academismo mas pela cultura popular, com cunho próprio.

A partir de ‘Cães Danados’ (1992) e de ‘Pulp Fiction’ (1994) já não se dissocia o nome de Tarantino da ironia crua, da violência desconcertante por ser simultanea e explicitamente inaudita e, no entanto, estranhamente cómica, o que a destaca da realidade – sem significar que a legitime.

‘Django Libertado’, o ansiado filme que agora estreia, poderia ser só uma homenagem ao western americano e ao ‘Django’ de Sergio Corbucci (1966),  mas é evidentemente muito mais que isso: uma reinterpretação da questão da escravatura e de um Oeste Selvagem que sem grandes pretensões intelectuais ou filosóficas não deixa de desbravar vasto terreno sobre a condição humana, a liberdade interior, o valor da vida e, inerente a este, o do amor e da amizade como cumprimento, ou não, desse ‘estar ou ser vivo’.

Django é um escravo negro separado da sua mulher que acaba resgatado por um caçador de prémios, Dr. Schulz, um americano de origem alemã, amante da literatura. Unidos por objetivos que se encontram, sendo o de Django a libertação da mulher que ama e o de Schulz um prémio avultado pelos corpos, vivos ou mortos, de um gangue, os dois homens seguem rumo ao Mississipi. No caminho, ganham a amizade e o respeito mútuo, numa cumplicidade que lhes pode custar a vida.

Porventura um dos seus filmes mais lineares, Tarantino escusa aqui as ‘deambulações’ (nunca inúteis) por diversos caminhos e personagens, centrando na cumplicidade de dois homens questões suficientes para nos despertar a todos e, sobretudo, uma sociedade americana de uma aparente ‘dormência’ sobre temas que poderiam parecer letargicamente repousados nos antigos westerns. E, no entanto, continuam latentes: racismo, o reconhecimento da liberdade individual e coletiva, respeito pelo outro…

Um argumento inteligente, diálogos únicos, magnificamente filmado e interpretado e servido por uma eclética e pertinente banda sonora, eis um acutilante olhar sobre ‘os vivos e os mortos’ que somos onde a crueza de algumas sequências nada tem de gratuito.

Margarida Ataíde

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