Cinema: Cloud Atlas

Quando em 2004 o escritor irlandês David Mitchell concluiu ‘Cloud Atlas’, não perdeu tempo a pensar na hipótese de adaptação ao cinema. Acolheria, por isso, com surpresa o convite dos realizadores/argumentistas Lana e Andy Wachowsky para colaborar na adaptação do argumento para um filme a contar ainda com a direção de Tom Twyker. Na certeza de que tal colaboração só poderia constituir uma enorme mais valia para ambas as versões.

‘Cloud Atlas’ revela-nos as vidas de várias personagens que ao longo de séculos se cruzam, se encontram e se perdem, num ciclo de nascimento e morte.

Empreendimento difícil e arriscado, a transposição de um livro que implica seis segmentos a serem geridos por três mãos, no entretecer de histórias que atravessam quinhentos anos de História, teria a sua aposta mais elevada na capacidade de transformar a riqueza e inovação literárias do original para uma linguagem cinematográfica equivalentemente fértil.

Com pleno uso dos recursos cinematográficos hoje disponíveis, quer a nível visual e sonoro, quer ao nível de uma montagem bem eficaz, as três horas de filme são um desafio e estímulo permanentes ao espetador, desenvolvendo em géneros substancialmente diferentes os seis segmentos, com a capacidade de, simultaneamente, distinguir e correlacionar as diferentes histórias, tempo, espaço e personagens de modo inteligentemente percetível (nunca óbvio demais).

Por outro lado, há no impacto sensorial do filme o cuidado de não menorizar o conteúdo do original literário, extraordinariamente rico em preposições de reflexão aprofundada sobre a vida e a morte, a dignidade e o sentido da existência humanas (merecendo discussão) – o que, apesar de tudo, neste género de adaptação espetacular, leva quase sempre a questionar sobre a vantagem de se gerir menos os efeitos técnicos e mais a sua ausência, com pausas e silêncios a beneficiar amplamente uma genuína interpelação ao espetador…

A receção ao filme por parte da crítica desde a abertura do festival de cinema de Toronto, onde estreou seguido de prolongado aplauso de pé (à semelhança de ‘A Árvore da Vida’ em Cannes), está longe de ser consensual. E o mesmo se augura para os espetadores, na sua chegada aos cinemas nacionais.

Também por isto, merece ser visto!

Margarida Ataíde

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