Do país de onde mais ecoa a vida e condição dos chamados meninos de rua, regressa ao cinema uma velha e amada história: a dos “Capitães da Areia”, de Jorge Amado. A primeira grande “voz” que se fez ouvir para lá do Atlântico!
Seis décadas antes dos mais recentes “Cidade de Deus” ou “Cidade dos Homens”, que nos comoveram com a extrema dureza e compaixão possíveis no contexto dos morros brasileiros, foi publicado no Brasil o sexto romance do autor, contando a história de Pedro Bala e seu bando de órfãos em São Salvador da Baía.
Diria Jorge Amado, a propósito desta e de toda a sua obra que “não é traindo a adolescência e a juventude, suas ânsias, suas revoltas, sua necessidade de destruir para afirmar-se (…) que o escritor levanta, na experiência viva, sua medida de homem, aprendendo aos poucos, numa longa marcha, a estimar e a compreender, amadurecendo em riqueza espiritual”. E é este o verdadeiro toque que sentimos ao ler a sua obra: o toque espiritual que o coloca a ele como criador e a nós leitores no mesmo plano humano, na miséria e grandiosidade que a transcende das suas personagens.
É esta a inspiração dos meninos de rua que, sem pai nem mãe ou convenções universais que lhes garantam, ontem como hoje, direitos inalienáveis, apenas contam uns com os outros para sobreviver num contexto pleno de adversidade. É no seu código de honra, solidariedade e sobretudo, de amor mútuo, encabeçado por Pedro Bala que encontram a força de viver e a esperança num novo dia. Meninos cujo corpo cresce menos depressa do que a vida que se lhes agiganta na mente, numa história que é também de passagem à idade adulta, profundamente redentora.
Hoje, é a filha do escritor, Cecília Amado, que adapta “Capitães da Areia” ao cinema. Um projeto que conta com grande suporte financeiro de organismos estatais e privados e nos põe a pensar, desde o genérico, na forma como um país valoriza a sua cultura.
Leva-nos no entanto mais longe esta adaptação, mesmo sobrevivendo em ampla escala do original literário, ao trazer-nos com os seus meninos atores, amadores, uma brisa fresca de inocência.
Margarida Ataíde