No final da década de sessenta, Rodriguez (Sixto Rodriguez) é um músico incógnito, de origem mexicana, que deambula por entre o nevoeiro das noites de Detroit dedilhando uma invulgar combinação de melodias na sua guitarra. Descoberto por um notável da indústria musical, que além da guitarra lhe adivinha um potencial de voz igualmente raro, acaba contratado pela então ascendente Motown.
O compositor e intérprete desperta as atenções dos conhecedores pela sua figura e postura enigmática, além da voz extraordinária, próxima de Bob Dylan.
Lançadas as primeiras composições, a crítica mostra-se reservada na opinião e o público, nos concertos, pouco recetivo ao seu estilo: ar modesto, uma atitude de desprendimento…
Dois álbuns e alguns singles mais tarde, após mergulhar no mundo da indústria discográfica, é noticiada a sua morte na imprensa e, segundo esta, em condições trágicas: em pleno concerto, após vaias a que responde com um agradecimento franco e gentil aos que se incomodaram a vir até ali, suicida-se ante uma assistência atónita. O motivo, obviado pelos jornais, o retumbante falhanço como músico.
Décadas mais tarde, a milhares de kilómetros de distância, um jornalista sul africano decide investigar a vida deste homem. Tem um bom e surpreendente motivo: é que enquanto era vaiado e desprestigiado nos Estados Unidos, Rodriguez tornara-se, sem saber, um ícon da juventude e um ícon da luta anti-Apartheid.
As incongruências entre o insucesso americano e o êxito sul africano, que levantam toda a sorte de questões sobre a forma como alguém terá lucrado com a qualidade de um músico que o próprio não chegou a ver reconhecida, são apenas o princípio de uma viagem ao extraordinário mundo de uma anti-estrela, ‘Sugar Man’, implicando uma perspetiva menos doce sobre uma certa indústria…
Curiosa e progressivamente apaixonante, ‘À Procura de Sugar Man’ é a primeira longa metragem do sueco Malik Bendjelloul (realizador, produtor, jornalista), que com a experiência arrecadada em documentários musicais para a televisão sueca, atinge um invulgar esplendor nesta sua estreia em cinema: vencedor do BAFTA, do Oscar para Melhor Documentário e do Cinema for Peace Awards, coleciona prémios e nomeações do público e na especialidade do seu género nos mais prestigiados festivais um pouco por todo o mundo.
O equilíbrio da obra, gerida com grande sensibilidade e profundidade, resulta da capacidade de Bendjelloul conjugar numa justíssima medida duas componentes essenciais: a de investigação jornalística que clarificou o percurso do músico e a sua (não) relação com a indústria discográfica; e a redescoberta, aprofundada, da pessoa em si, num registo narrativo que reata (mais do que reabilita ou homenageia) a relação deste homem com o público – abrangendo-o agora, pela via cinematográfica, ao universo que sempre teria merecido.
Uma perspetiva reconciliadora que em tudo cumpre a pessoa que Sixto Rodriguez é (não que foi, como a imprensa sugerira), e que vale bem a pena descobrir: na sua genuína paixão pela música, no seu desapego à fama e na sua filosofia de vida que, mesmo ante a evocação de um estrelato que nunca conheceu, não sucumbe.
Margarida Ataíde