À beira da mediática noite de Hollywood, eis mais um forte concorrente. Após a tocante homenagem à essência do cinema que é “O Artista”, chega-nos uma outra: ao cinema e muito especificamente à paixão de Georges Meliés pelo seu lado mais mágico.
O criador é agora Martin Scorsese e o filme “A Invenção de Hugo”. Mas o tributo é diferente: na Paris dos anos 30, Hugo Cabret é um órfão de olhar límpido e roupa usada. Vive nos esconsos da gare d’Orsay de alma lançada pela memória do pai à paixão pelo arranjo de relógios e outros múltiplos mecanismos que lhe ficaram de herança. De entre todos, um inerte autómato fixa-lhe o objetivo que conscientemente guia o sentido da sua existência. É uma peça de metal articulada por um intrincado sistema mecânico a que só poderá dar vida a chave apropriada.
Na sua demanda e enquanto ilude o guarda da estação, amigo da lei, da grei e de um fiel dobermann que fareja de longe candidatos ao orfanato local, Hugo cruza-se com Isabelle, uma menina desejosa de aventura e de restituir ao seu pai a alegria de outros tempos. Aos poucos, Hugo percebe que o encontro aparentemente casual é afinal a chave que dá sentido à sua vida.
Não sendo a noite dos Oscars sempre seja generosa com os filmes que mais nomeações colecionaram até então, designadamente as que Scorsese tem levado até lá, a verdade é que todas as onze categorias em que o filme é candidato são merecidas.
De facto, o conto do menino que desvenda a génese e a magia do cinema de Georges Meliés, um dos mais belos criadores da sétima arte, é contada com uma harmoniosa conjugação de raiz e modernidade. Tudo o que importa no cinema está lá: um argumento sólido; uma mensagem que parte profunda e construtiva e mais profunda e construtiva torna à estação; uma recriação de época exata, com música, decórs e guarda-roupa a condizer; atores comprometidos; o domínio certeiro e comedido do 3D.
A paixão de Scorsese pelo cinema conhecemo-la. A mestria também. Faltava o mágico Meliés para o encantar.
Margarida Ataíde