Ciclo vicioso

Francisco Sarsfield Cabral, Jornalista

O próximo ano será o de maior austeridade desde que a chamada crise da dívida soberana (dívida do Estado) atingiu Portugal. Para este agravamento do apertar do cinto o Governo tem dado várias explicações. Mas o factor mais importante é a circunstância de no corrente ano, 2012, não conseguirmos cumprir a meta acordada com a troika de 4,5% do PIB.

Meta que já foi revista para 5% – e também nos deram mais um ano para reduzir o défice orçamental. Mesmo assim, vão ser precisas medidas extraordinárias para ser atingida a meta revista para 2012. O défice sem medidas extraordinárias deverá ser de 6%, o que obriga a fazer em 2013 um esforço muito maior do que o inicialmente previsto.

O que explica a derrapagem do défice em 2012? Também aqui se invocam várias circunstâncias, mas a causa principal foi esta: aumentaram-se os impostos, mas a receita fiscal ficou muito abaixo dos números que o Governo previa. A austeridade também provocou uma forte subida do desemprego (que o Governo e a troika não esperavam que fosse tão grande), levando o Estado a gastar mais em subsídios de desemprego.

Ou seja, a partir de certo ponto (que é, decerto, muito difícil de calcular à partida), a austeridade revela-se contraproducente. Entra-se num ciclo vicioso: como o défice orçamental não desce o pretendido, carrega-se mais na austeridade; o que, por sua vez, agrava a recessão e limita as receitas dos impostos, impedindo o cumprimento das metas orçamentais; e assim sucessivamente. É, de resto, o que está a acontecer na Grécia, que vai entrar no sexto ano de recessão.

Como se sabe, a troika é constituída por três instituições: a Comissão Europeia (cujas decisões têm de ser ratificadas pelos ministros das Finanças da zona euro, o chamado “Euro-grupo”), o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional. O FMI já percebeu o perigo do ciclo vicioso da austeridade.

O economista-chefe do FMI, o prestigiado Olivier Blanchard, orientou uma análise da sua equipa aos efeitos dos programas de austeridade na quebra do crescimento económico em 28 países. A conclusão é que esses efeitos são três vezes mais negativos do que aqueles que, até aqui, o FMI estimava. Nos últimos dias a directora-geral do FMI, Christine Lagarde, tem-se multiplicado em apelos aos países europeus para que moderem a austeridade.

A primeira reacção da Comissão Europeia e do ministro alemão das Finanças não foi nada positiva.

A ideia, muito defendida na Alemanha, é que qualquer baixa na pressão sobre os países do euro em dificuldade, como Portugal, levaria os governos desses países a atrasarem reformas e medidas impopulares necessárias. Aliviar a austeridade seria, nesta perspectiva, dar um sinal errado aos mercados, que perderiam confiança na capacidade dos governos para corrigirem os seus défices.

O debate vai prosseguir na Europa. Talvez se consiga uma correcção da política até aqui seguida pela troika, mas não será tão cedo. Valha-nos o facto de a determinação do Governo português já ter dado frutos na apreciável recuperação da confiança dos mercados na dívida soberana nacional. Os juros portugueses, pagos nas emissões e implícitos no mercado secundário (dívida já emitida), ainda estão acima do razoável; mas têm vindo a descer gradualmente. Se a tendência se mantiver, não será uma fantasia que Portugal regresse aos mercados em Setembro do próximo ano.

Um outro dado positivo, que passou largamente despercebido entre nós, foi uma recente declaração da chanceler Angela Merkel. Disse ela que a Alemanha, que tem um grande excedente nas suas contas externas, vai estimular o consumo interno para ajudar as exportações dos países do euro em dificuldades. “É nosso dever fazer alguma coisa pelo relançamento da economia na Europa”.

É a primeira vez que Merkel fala assim. Ora um “governo económico europeu”, de que tanto se fala, deverá começar exactamente por coordenar as políticas económicas dos Estados membros (pelo menos os da Zona Euro), de maneira a que os países que estão bem ajudem os que se debatem com problemas.

Francisco Sarsfield Cabral
Jornalista

(Texto escrito segundo a anterior ortografia, por opção do autor)

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