Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
Pensou o leitor que me referia a prendas? De facto, neste período de Natal é isso que faz parte da preocupação geral das famílias, mas ao preparar um Laboratório para os Pais das crianças da catequese, a sugestão orientava-nos para algo de que precisamos mais nesta época natalícia do que pensamos: silêncio.
O silêncio não é a ausência de som, mas de ruído. Recordo a aventura escrita por Gordon Hempton, especialista em som que se aventurou pelos EUA à procura do lugar mais silencioso daquele país. Encontrou-o na Floresta de Hoh em Washington e escreveu a sua experiência em “One Square Inch of Silence” (ainda não traduzido para português), onde se aprende muito sobre o valor do silêncio para compreender as razões de o necessitarmos neste Natal.
Penso que existem três experiências do silêncio. O silêncio exterior, o interior e o orientado. Porém, mais do que uma experiência sonora, o silêncio é um lugar de encontro com o ambiente que nos rodeia, com os pensamentos que passam pela mente e orientado pela voz do outro, cuja leitura silenciosa faz ressoar algo diferente dentro de nós. No silêncio, o tempo encontra-se com o espaço pela pausa entre duas notas. neste sentido, o silêncio é a melodia que nunca desafina.
A experiência do silêncio é universal e Santa Teresa de Calcutá ajuda-nos a compreender esse aspecto quando li esta frase a ela atribuída—
«Vejam como a natureza — árvores, flores, relva — cresce no silêncio; vejam as estrelas, a lua e o sol — como se movem em silêncio (…) Precisamos de silêncio para tocar as almas.»
— onde a alma corresponde à totalidade de cada um de nós.
O silêncio exterior é o que experimentamos num lugar de quietude. Recordo-me de quando estava a fazer exploração natural no bosque de Vale de Canas, próximo de Coimbra, e numa dada parte do percurso, enquanto passava por cima de troncos de madeira ainda por recolher, a um dado momento tudo, tudo se calou. Naquele lugar havia uma geometria acústica tal que estando parado não ouvia qualquer som. Parei para desfrutar daquele silêncio quando emergiu um som inesperado— tum-tum, tum-tum— era o bater do meu coração. Porém, para além do silêncio exterior, esta experiência fez-me pensar também no silêncio interior.
De um certo ponto de vista, o silêncio exterior convida a abrirmos os nossos sentidos ao que está a nossa volta, mas a verdadeira conexão com esse ambiente exterior dá-se no nosso interior. É como se o silêncio exterior recarregasse a bateria cognitivo-energética do silêncio interior, e nos enchesse de duas qualidades tão importantes quando estamos uns com os outros fazendo silêncio: gratidão e paciência.
Gratos, porque no silêncio a presença e a palavra do outro traz-nos à existência. Pacientes, por ser o gesto que o silêncio interior nos inspira para que geremos à nossa volta um ambiente de paz. E uma das formas de experimentarmos também um ambiente de paz é através do silêncio orientado.
Nas Confissões (Livro VI), Santo Agostinho conta que ficava admirado ao ver (Santo) Ambrósio a ler em silêncio, com os olhos a percorrerem a página “por dentro”, sem mover os lábios nem emitir som — algo pouco comum na época, em que a leitura era frequentemente feita em voz alta, mesmo a sós. Num silêncio orientado pela leitura, deixamos que o escritor conduza o nosso silêncio através daquilo que imaginamos a partir daquilo que lemos. Uma experiência de silêncio que vai para além das palavras escritas, mas envolve o folhear e até o odor das páginas. Apesar de encontrar valor nos livros digitais, não existe experiência melhor de silêncio orientado do que a proporcionada por um livro físico.
Poderíamos pensar que a tecnologia contribui, de certa forma, para o nosso silêncio exterior e interior. Pois, quando estamos voltados para os nossos ecrãs, fazemos silêncio. Porém é um silêncio que, em vez de nos ligar ao ambiente que está à nossa volta, aliena-nos desse ambiente e, na prática, fazemos silêncio voltando-nos para nós próprios. A ciberhumanitas, ou seja, aquele ser humano que emerge do ambiente digital, pede-nos que ofereçamos uma imagem diferente. Que imagem gostaríamos que os outros tivessem do nosso silêncio neste Natal? A imagem da nossa face que silenciosamente contempla a deles ou a imagem da nossa face que em silêncio contempla o ecrã?
O silêncio de uma escuta atenta é o melhor presente que os todos nós mais precisamos neste Natal. Mesmo que não seja fácil escutar aquele que conta a mesma história pela enésima vez. Ou que torna difícil a oportunidade de podermos nós falar e construirmos um diálogo. Uma cultura do silêncio ensina-nos, nestas situações, a sermos pacientes. O curioso é que o fruto dessa paciência silenciosa será um sentimento de profunda gratidão, porque cada outro é um dom para mim, assim como me faz sentir com a sua atenção ser um dom para ele.
Neste Natal, no meio de tanto barulho que não faz bem, que o nosso silêncio seja aquele bem relacional dado gratuitamente que não faz barulho.
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