CIBERCULTURA – Saldar dívidas relacionais no Caminho da Paz

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

Perdoa a dívida de amor que o outro tem para contigo. Assim poderíamos estender a mensagem do Papa para o Dia Mundial da Paz aos aspectos mais concretos e quotidianos da nossa vida. Quantos de nós não temos uma dívida de amor para com o outro, por não nos darmos conta da presença de Deus nele, que nos ama, e ao outro, imensamente? Somos capazes de perdoar as faltas de amor dos outros, como esperamos ser perdoados por Deus pelas faltas de amor para com Ele? Porém, as faltas de amor não são o único tipo de dívida que temos uns em relação aos outros e que ameaçam o caminho para a paz.

Imagem criada por DALL-E com prompt de Miguel Panão

Os nossos relacionamentos são a chave para um Mundo onde se vive em paz. Não quer dizer que não haja desentendimentos, ou divergência de opiniões, porque todos esses momentos parecem-me necessários no processo de amadurecimento de cada pessoa e das nossas comunidades. As diferenças são necessárias para nos ajudarem a compreender a riqueza da diversidade que anima os nossos relacionamentos. Porém, existem alguns aspectos essenciais que poderiam fazer parte do horizonte da vida que queremos construir em 2025 na direcção de um mundo de paz.

Os aspectos essenciais que estou a pensar para além do amor, são a gratidão, o tempo e presença, e a confiança.

Uma dívida de gratidão surge quando recebemos algo significativo de outra pessoa – seja ajuda, apoio emocional ou uma oportunidade – e sentimos que devemos retribuir. Embora a gratidão seja uma emoção nobre e construtiva, a dívida de gratidão pode tornar-se num fardo quando se encontra desequilibrada. Quando alguém sente que nunca será capaz de “pagar” o que recebeu, isso pode gerar uma tensão no relacionamento, tanto por parte de quem sente a dívida quanto de quem a impõe, mesmo de forma implícita. Qual o passo a dar para saldar essa dívida? Praticar a gratidão, começando por escrever ao final do dia num pequeno caderno, até três coisas pelas quais estamos gratos.

No contexto moderno, onde as exigências profissionais e pessoais competem pela nossa atenção, muitos relacionamentos sofrem com uma sensação de dívida em termos de tempo e presença. Isso ocorre quando alguém sente que não dedicou tempo suficiente ao outro – seja a um companheiro da vida, amigo ou familiar – e acredita que precisa de “compensar” essa ausência. A dívida de tempo pode manifestar-se como culpa e, se não for resolvida, pode enfraquecer o vínculo relacional. Qual o passo a dar para saldar essa dívida? Desenvolver a capacidade de escuta atenta através do silêncio na presença do outro, dando-lhe espaço. Por vezes, o ruído interior que nos impede de escutar os outros provém das preocupações que temos e não nos largam. Escreve-as no pequeno caderno como modo de te libertares delas, e estarmos mais livres interiormente quando estamos com os outros.

Por fim, a dívida de confiança surge quando, em algum momento, falhamos em corresponder às expectativas de honestidade, lealdade ou integridade nos nossos relacionamentos. Pode ocorrer, por exemplo, após uma hipocrisia, mentira ou omissão significativa. Quem cometeu a falha sente que precisa constantemente de provar a necessidade de confiança, enquanto a outra parte, mesmo que deseje perdoar, pode carregar resquícios de dúvida ou insegurança. Esta dívida é especialmente complexa porque a confiança, uma vez quebrada, exige tempo, resiliência e paciência para ser reconstruída. A pressão para “compensar” o erro pode levar à sobrecompensação ou à criação de um ciclo de ansiedade para ambas as partes. Superar esta dívida exige um compromisso sincero com a transparência e uma disposição genuína para reconstruir o vínculo, sem que a culpa ou a desconfiança se tornem um peso insustentável.

A dívida de confiança manifesta-se também quando nos achamos capazes de fazer seja o que for, melhor do que os outros fariam. Sem nos apercebermos, limitamos o nosso espaço de acção e limitamos o espaço do outro. Saldar a dívida da confiança nesta perspectiva é dar ao outro a oportunidade de falhar. Se isso não acontecer, elogiar. E se o outro falhar, perdoar, estender a mão e apoiar.

Ao ler a Mensagem do Dia Mundial da Paz podemos ser tentados a pensar que o Papa dirige-se apenas aos governantes e empresários. Contudo, por detrás das grandes ameaças à Paz Mundial estão estas (e outras, imagino eu) dívidas relacionais que afectam o caminho da paz.

A verdade será sempre a bússola que nos orienta no caminho para a paz. Saber, compreender e acolher a verdade é, hoje, um dos maiores desafios à contracção de dívidas relacionais porque a vida cibercultural ampliou a voz do trigo e do joio. Daí a importância dos relacionamentos interpessoais físicos para melhor lidar com os virtuais. Atrevo-me a dizer que perdoar as dívidas de amor, gratidão, tempo e presença, e confiança, com exames de consciência mais frequentes, e escritos pela nossa mão com palavras que materializam a voz que clama do nosso interior, impulsionarão a experiência de verdade que nos alimenta no caminho da paz.


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