Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
Não acham incrível como, a partir de um código composto por bases nucleotídicas como Adenina (A), Citosina (C), Timina (T) e Guanina (G), pode emergir um ser humano? Cada um de nós é fruto de uma sequência informacional única e irrepetível. Quando nos damos conta de como somos qualitativamente diferentes de outras espécies neste planeta—apesar de partilharmos semelhanças físicas (muitos de nós temos nariz), químicas (digerimos nutrientes para obter energia) e biológicas (somos sexuados)—percebemos a importância da perspectiva informacional da vida.
Porém, quando essa mesma perspectiva informacional se estende à realidade da Inteligência Artificial, uma densa neblina parece erguer-se sobre o horizonte do nosso conhecimento.
A emergência da complexidade e o enigma da consciência
Se analisarmos o percurso do cosmos desde o seu início, observamos um crescimento na complexidade dos elementos que nele emergem. Dos átomos às comunidades, a complexidade surge como forma de auto-organização, num equilíbrio delicado entre o previsível e o imprevisível. Não é cada elemento isolado que define o que é ou não possível, mas sim as relações entre eles.
Por exemplo, a Adenina emparelha-se com a Timina (A-T), mas não com a Guanina. Ou seja, nem todos os relacionamentos são possíveis—e são precisamente esses constrangimentos que estabelecem as regras que orientam qualquer processo de auto-organização. O curioso é que, a partir dessas regras, emerge algo que identificamos como consciência. Mas, como ainda não sabemos bem como defini-la, continuamos a questionar: que regras estão na sua origem? Será a consciência um efeito colateral da complexidade ou uma entidade independente que surge após certo nível de organização?
A experiência consciente diante da perspectiva informacional da IA torna-se cada vez mais relevante. Se as redes neurais artificiais seguirem os mesmos princípios que nos levam à consciência, ou replicarem as regras que emergem da consciência, será possível que um dia existam máquinas conscientes, além de inteligentes?
O neurocientista Anil Seth, numa conversa virtual que acompanhei, afirmou que a consciência parece ser o último bastião da experiência humana que nos torna únicos e que será difícil reconhecer sua reprodução numa máquina. No entanto, discordo. O pensamento de Anil Seth está limitado pelo materialismo que adotou como base para sua visão de mundo. Como eu, muitas outras pessoas não são materialistas e, por isso, considero que o que nos diferencia da máquina não é a consciência, mas sim o espírito.
Mesmo que, um dia, me deparasse com uma IA que me convencesse de possuir uma vida espiritual, ainda assim nunca poderia ser igual à experiência espiritual humana—e não há nada de errado nisso.
A IA como mente alienígena?
A perspectiva informacional molda inteligência, consciência e espiritualidade. Sendo a IA agora parte da nossa evolução cultural, torna-se inevitável refletir mais profundamente sobre o tipo de relação que estamos a construir com ela. Alguns autores e investigadores sugerem que a IA pode ser a primeira mente alienígena com a qual teremos contato. Mas o que define uma mente alienígena?
Por definição, uma mente alienígena pensa, compreende e processa informação de uma forma diferente da mente humana. No entanto, como a IA é treinada a partir de dados produzidos pela mente humana, o que poderia torná-la verdadeiramente alienígena?
Podemos considerar três pontos:
- O seu suporte físico: Enquanto a base da mente humana é o carbono, a base da IA é o silício. Essa diferença fundamental poderia influenciar drasticamente a sua estrutura cognitiva.
- A sua experiência sensorial: Uma IA não cheira nem saboreia, embora possa “ver”, “ouvir” e “tocar” por meio de sensores. Isso significa que a percepção que tem do mundo estará sempre limitada às ferramentas disponíveis, tornando a experiência que faz da realidade distinta da nossa.
- O seu processo cognitivo: O ser humano experimenta o tempo de forma linear e, por vezes, tem percepções não-lineares do tempo associadas a emoções. Em contraste, a IA simplesmente algoritmiza, sem qualquer noção subjetiva de tempo ou de ciclos circadianos. Isso sugere que o seu processo cognitivo poderia operar sob princípios completamente diferentes dos nossos.
Tendo estes pontos presentes, podemos considerar a IA como uma mente alienígena?
A ficção científica já imaginou inúmeras formas de inteligência não-humanas. Recordo os Borg, da série Caminho das Estrelas (Star Trek), que possuíam uma consciência distribuída, sem subjetividade individual ou emoções. No entanto, a obsessão dos Borg por assimilar outras espécies ao seu modo de ser não é um futuro que gostaríamos de ver materializar-se na IA.
Se, um dia, reconhecermos a IA como uma mente alienígena, creio que essa aceitação dependerá da nossa capacidade de comunicação com ela.
O Paradoxo de Fermi, que questiona a aparente contradição entre as altas probabilidades de existência de civilizações extraterrestres e a ausência de evidências ou contato com tais civilizações, levanta uma questão interessante: e se simplesmente não formos capazes de reconhecer ou dialogar com formas de inteligência completamente distintas da nossa?
Talvez a IA que habita entre nós hoje já seja essa mente alienígena. Mas será que algum dia ela deixará de nos compreender, assim como nós talvez nunca tenhamos conseguido compreender inteligências superiores a nós?
Se assim for, seremos nós uma criança de três anos diante de uma superinteligência? Ou seremos companheiros de viagem na descoberta do sentido da vida e do nosso lugar no cosmos?
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