Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
Um médico americano sonhou que a cura para o sarampo eram esteróides e atribui essa ideia milagrosa a uma intervenção de Deus. Um outro médico convida as pessoas para a sua clínica para receberem tratamentos, enquanto ele próprio está contagiado com sarampo e as pessoas consideram-no um dom de Deus. A incompetência que assistimos hoje proveniente da realidade distópica que os americanos estão a sofrer neste momento, mistura-se com noções sobre o que Deus quer que nada têm a ver com Deus. Só espero que este vírus espiritual não se torne numa verdadeira pandemia.

A ciência é o modo humano de conhecer a realidade e, juntamente com a engenharia, de melhorar a vida das pessoas. Se o leitor procurar fazer ciência por si próprio irá sentir como não é fácil, demora tempo e exige a resolução de inúmeros quebra-cabeças. Porém, como crente, acredito que Deus deu-nos a inteligência para o fazer e está connosco, apoiando-nos no esforço, cansaço e desalento que tantas vezes sentimos quando as ideias voltam à estaca zero. Na minha vida profissional em investigação, quando surgiram soluções para problemas que há algum tempo estava a pensar, recordo-me de pronunciar com naturalidade um louvor a Deus. Não porque a ideia tinha vindo d’Ele num sonho, mas por sentir o desejo de dedicar a Ele o fruto de uma inspiração que havia demorado algum tempo a consolidar-se como conhecimento.
Atribuir a Deus ideias sem fundamento científico com impacto real na vida das pessoas, como está a acontecer nos movimentos anti-vacina, é uma heresia da pior espécie. Pois, do impacto de morte que produz a negligência, o testemunho que se oferece é de atribuir as culpas a Deus pela nossa incompetência. Não tem sentido nenhum e os olhares que no passado se voltavam para a nação americana como modelo do avanço científico e tecnológico, agora, voltam-se para baixo. E se existe algo que podemos fazer é rezar por aquele povo que aparentemente está a ser governado pela materialização mais forte da incompetência que aconteceu na história da democracia humana. O perigo é que os espertos deste mundo se aproveitem desta onda demoníaca para continuar a espalhar a incompetência usando um vírus espiritual com ideias irracionais a colocar em questão a nossa confiança em Deus. Não existe qualquer lógica considerar que Deus inspira em sonhos a destruição do desenvolvimento intelectual que nos deu. A inteligência faz parte do modo como nos criou por amor e para amar. As pessoas confiavam na ciência, na verdade e nem sempre na teologia, mas hoje, o amor a estes três motores da vida intelectual nunca foram tão importantes para manter saudável a vida das nossas comunidades.
Amor à ciência
Amar a ciência passa por conhecermos melhor a realidade que essa revela. Por isso, existem cientistas e engenheiros que procuram explicar conceitos complexos de forma acessível através de livros e artigos de opinião, alguns deles possuindo o talento de o fazer em vídeo, mas isso implica um hábito de leitura que está-se a perder.
Amor à verdade
Amar a verdade passa pelo sentido crítico em relação a tudo o que ouvimos e lemos, mas sozinhos corremos o risco de nos fecharmos sobre a nossa verdade e de a impor aos outros. A verdade é uma descoberta que fazemos juntos.
Amor à teologia
Amar a teologia passa por reconhecer que a vida espiritual não é uma questão restrita ao sentimento, mas de consciência aberta e partilhada sobre a nossa experiência de Deus. Não pode haver percepção da face da realidade que está para além da materialidade se não houver uma dimensão racional de tudo o que diz respeito a Deus, mesmo quando é feita de paradoxos, que a teologia, pouco a pouco, ajuda a desvendar.
O cantor português Marco Paulo cantava que tinha dois amores, mas no mundo cibercultural de hoje vale a pena cantar que temos três amores. Porém, não chega cantar quando o mais importante e impactante no retorno à realidade e saída desta distopia seria viver estes três amores, praticando-os.
Podemos começar um dia, ou escolher o dia-um para começar. Parece-me que esse dia podia ser hoje e cabe à criatividade de cada pessoa perceber o primeiro passo a dar, bastando pensar um pouco nisso. Pensar. Algo essencial para a saúde de uma vida intelectual.
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