CIBERCULTURA – O processo irreversível da Teologia Digital

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

Nos tempos modernos, a tecnologia digital está a transformar profundamente todos os aspetos da vida humana, incluindo a espiritualidade e a religiosidade. Num recente artigo, Kirk Bingaman, professor na Universidade de Fordham no EUA, explora como a digitalização afecta a vivência religiosa e espiritual, particularmente entre os jovens, conhecidos como “nativos digitais”. A digitalização está a reconfigurar a maneira como nos relacionamos com a fé e a espiritualidade, tornando-se um processo irreversível e complexo.

Imagem criada pelo DALL-E com prompt de Miguel Panão

A digitalização está a criar um impacto sísmico nas vidas religiosas e espirituais dos nativos digitais, que nunca conheceram um mundo sem a internet. Existe uma tendência de desafiliação religiosa entre os mais jovens relacionada com a digitalização da sociedade, e a influência que outrora existia da parte dos líderes religiosos e das comunidades de fé, hoje sente-se menos. A tecnologia digital, especialmente as redes sociais, acaba por ter um papel duplo, tanto de oportunidade quanto de ameaça, no que diz respeito à expressão da espiritualidade contemporânea.

Desde a década de 1970 que a hipótese de irreversibilidade da tecnologia digital tem sido debatida. Joseph Weizenbaum, um pioneiro em inteligência artificial, previu que a introdução de computadores em actividades humanas complexas seria um compromisso irreversível. Hoje, estamos completamente dependentes da tecnologia digital em diversos sectores, como a saúde, finanças e comunicações. E esta dependência tecnológica possui implicações profundas para a espiritualidade humana, levando-nos a considerar um futuro onde nos tornamos “Homo Tecno-Sapiens”.

O campo emergente da Teologia Digital estuda a intersecção entre a tecnologia e a teologia, analisando como a digitalização afeta a prática religiosa e espiritual. Em 2021, Sutinen e Cooper publicam uma monografia onde exploram uma metodologia de Teologia Digital sob a perspectiva das ciências da computação, destacando a natureza ambivalente das tecnologias digitais e focando-se no impacte das redes sociais na vivência espiritual. A pandemia de COVID-19 acelerou a adopção da tecnologia digital pelas comunidades religiosas, o que forçou uma reavaliação das suas críticas à tecnologia e a adaptar as práticas como cultos online e encontros de oração via Zoom.

As redes sociais, em particular, representam uma espada de dois gumes. Por um lado, facilitam a disseminação rápida de informações e o envolvimento comunitário. Por outro lado, podem exacerbar problemas como a desinformação, o bullying digital e a polarização social. Se pensarmos em documentários como o “The Social Dilemma”, evidencia-se como as redes sociais transformaram as conexões sociais em mecanismos de manipulação, alimentando uma cultura de desinformação e dependência digital viabilizada pela facilidade com que entramos nos ambientes digitais usando os nossos smartphones.

Os estudos demonstram haver uma correlação entre o uso intensivo das redes sociais e uma diminuição na empatia, assim como um aumento nas desordens de saúde mental. Por exemplo, um grupo de investigadores da universidade do Michigan realizou um estudo que revelou um declínio significativo na empatia entre estudantes universitários, coincidindo com a ascensão das redes sociais. Esta correlação sugere que ambientes online podem criar uma barreira entre as pessoas, facilitando a indiferença perante a dor alheia.

Além disso, a desafiliação religiosa entre os jovens parece estar ligada ao uso intensivo da internet. Estudantes universitários expostos às redes sociais tendem a adoptar uma postura menos exclusiva em relação às suas tradições religiosas, preferindo uma abordagem mais sincrética, isto é, que combina princípios de diversas doutrinas, e mais personalizada da espiritualidade. Esta tendência desafia as instituições religiosas a repensarem as suas abordagens e a integrarem as tecnologias digitais de maneira significativa e ética.

No entanto, é crucial reconhecer que as redes sociais também oferecem oportunidades para fortalecer a coesão social e a empatia, se usadas corretamente. Iniciativas que promovem a solidariedade, o apoio comunitário e a disseminação de informações críticas podem mitigar os efeitos negativos. O desafio reside em equilibrar o uso da tecnologia para maximizar os seus benefícios e minimizar os seus danos.

Dado o impacto irreversível da tecnologia digital, é imperativo que os líderes religiosos e as comunidades de fé se envolvam equilibradamente com as novas tecnologias. É necessário desenvolver uma compreensão profunda da cultura digital, daquilo que realmente tem valor e das suas implicações para a espiritualidade. A Teologia Digital é um modo emergente de conhecer Deus através dos ambientes digitais que explorar como podemos orientar as tecnologias emergentes para fins compassivos e éticos. A reflexão teológica contínua e o diálogo aberto são essenciais para navegar neste novo território, garantindo que a fé e a tecnologia avancem de mãos dadas para um futuro mais humano e inclusivo.


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