Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
Durante as férias, numa missa paroquial no centro de Portugal, ouvi no final vários avisos sobre diversas iniciativas que iriam acontecer em Setembro, mas rigorosamente nada sobre qualquer iniciativa dedicada ao Tempo da Criação. Pensei para mim: já esquecemos? Em 2015, quando o Papa Francisco lançou a Carta Encíclica Laudato Si’, recordo-me do receio de que fosse esquecida se não fosse vivida, mas com o dinamismo que experimentava em Coimbra, parecia que algo avançava e pensava ser geral. Porém, naquela missa, o receio voltou.
Em Maio de 2015, o Papa Francisco lançou uma das Cartas Encíclicas mais lida fora da Igreja, produzindo um impacte mundial. Mas ao longo dos anos, um pouco por todo o mundo, observei que a passagem da mensagem à acção no interior da vida eclesial é ainda estreita. Quando li a Laudato Si’ pela primeira vez pensei que esta Encíclica de nada serviria se não fosse convertida em vida. Creio que a adesão da Igreja Católica ao Tempo da Criação, que há muito era celebrado no mundo Ortodoxo, foi um passo importante, mas o facto que não ser ainda evidente o quanto está a vivência desse tempo entranhada na vida das paróquias, assim como está a festa da sua padroeira, indica que há ainda um certo caminho a percorrer. Mesmo se esse caminho esteja cheio de insectos.
Num dos trilhos que percorri durante as férias, cruzei-me com um número particularmente elevado de insectos. Depois, na casa onde procurávamos descansar, imersa como estava num ambiente natural, vi moscas de um tamanho que não imaginava ser possível, libélulas das mais diversas cores, e até uma centopeia que (infelizmente) não sobreviveu à pisada de quem sonolento não se deu conta da criatura. Os insectos são considerados repugnantes para muitas pessoas por revelarem uma face da natureza mais difícil de incluir naquelas pinturas ou textos inspirados que retratam a beleza presente na criação. Que tipo de “insectos repugnantes” poderão estar a afastar o Tempo da Criação da vida eclesial?
O primeiro “insecto repugnante” chamaria de inércia, uma espécie insectívora cuja picada gera uma certa procrastinação a dar aqueles pequenos passos no rumo de um estilo de vida mais consciente e ecológico. Porém, quando contemplado na sua beleza, a inércia mantém-nos em movimento. Basta dar o primeiro impulso.
Um segundo “insecto repugnante” chamaria de ignorância, uma espécie insectívora cuja mordedura leva-nos a não compreender o que está por detrás do clima que se altera, ou da temperatura que se eleva. Porém, quando contemplado na sua beleza, a ignorância reconhecida é o berço da mente aberta que está sempre disposta a aprender coisas novas e não se fecha sobre falsas certezas.
Um terceiro “insecto repugnante” chamaria de indiferença, uma espécie cujo veneno entorpece a sensibilidade e o sentido de responsabilidade para com a criação, levando-nos a ignorar os gritos da Terra e dos pobres. No entanto, ao olhar para além de sua aparência e compreender a sua essência, a indiferença pode ser transmutada em empatia, quando nos permitimos sentir e entender o sofrimento do outro como o próprio. Assim, a indiferença, quando encarada com um coração compassivo, pode tornar-se no catalisador para uma acção mais consciente e responsável na direcção do bem comum e do cuidado com a casa onde juntos caminhamos.
É difícil lidar com os insectos repugnantes, sendo mais fácil pisá-los ou, se até isso custa, sugá-los com um aspirador. Muitos entendem a sua presença na nossa casa como sinal de sujidade e descuido. De facto, gente inerte, ignorante e indiferente são sinal da necessidade de uma profunda conversão que limpe a nossa vida.
Podemos um dia dar o passo ou escolher o dia-um do passo a dar. O inerte converte-se com passos concretos, por exemplo, eliminar plástico num produto escolhendo um embrulhado em papel que podemos reciclar (pacote de arroz ou massa). O ignorante converte-se lendo mais, por exemplo, a Laudato Si’ (se não o fiz ainda) ou “A Terra Inabitável” de David Wallace-Wells. O indiferente converte-se desenvolvendo, por exemplo, a capacidade para a escuta activa começando por ouvir verdadeiramente uma pessoa por dia.
Que este Tempo da Criação seja vivido como um novo impulso na consciência de que não podemos mais empatar, ignorar e desligar a nossa vida das alterações que estão a acontecer aos ritmos do nosso planeta. Um dia estaremos diante da necessidade de nos termos de adaptar e quem tem recursos consegue-o, mas quem não tem, arrisca-se a sofrer e ficar para trás. Basta colocarmo-nos na pele do outro e sentir a importância da mudança que devemos realizar na nossa vida para salvaguardar a do outro.
Para acompanhar o que escrevo pode subscrever a Newsletter Escritos em https://bit.ly/NewsletterEscritos_MiguelPanao; – “Tempo 3.0 – Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo” (Bertrand;, Wook;, FNAC)