Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
Não é insistência. É evidência. Em Espanha temos chuvas torrenciais, enquanto que no sul de França a seca agravou-se novamente no Verão, comparativamente ao ano passado. As viagens de avião sentem-se como mais “turbulentas” por causa do aquecimento do ar atmosférico. Os efeitos das alterações climáticas começam a entrar no nosso quotidiano, mas pela estrada, a maior parte dos condutores continua a andar a velocidades que induzem um maior consumo de combustível e, consequentemente, maior quantidade de poluentes emitidos para atmosfera, agravando a situação. Todos parecem achar que o seu contributo é marginal, mas milhares de milhões de contributos marginais geram um efeito cumulativo. Por que razão é tão difícil mudarmos alguma coisa?
Na engenharia existe um esforço enorme para aumentar a eficiência dos motores a combustível e quaisquer outros aparelhos ou sistemas que consomem energia de origem fóssil. Pois, se forem mais eficientes, pensamos que reduzirão o consumo de energia necessário para obter a que precisamos. Esta é uma confiança na acção exterior, mas essa pouco ou nada pode fazer se não for acompanhada por outra acção: a interior. Na prática, quando as pessoas sabem que os sistemas são mais eficientes, usam-nos mais, aumentando o consumo de energia e de quaisquer poluentes emitidos por essa. Quer isso dizer que fazer alguma coisa para diminuir a acção humana sobre a dinâmica do clima não depende só dos engenheiros que desenvolvem tecnologia, mas sobretudo de cada um de nós.
Na Mensagem para a Celebração do Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação, o Papa Francisco volta a convidar a voltarmos o nosso olhar para três aspectos fundamentais que estão nas nossas mãos: a oração, os estilos de vida e as políticas públicas. A oração é o modo privilegiado de amadurecer a nossa relação com Deus, pelo que orar abre o nosso coração de modo a deixar que Ele nos inspire a agir. Os estilos de vida reflectem-se no nosso comportamento e, por isso, ligam-se directamente com a nossa acção exterior que parte de um impulso interior, com as respectivas implicações para com o contributo pessoal de cada um no Antropoceno. As políticas públicas parecem estar fora do alcance da pessoa comum, mas o mundo cibercultural alterou essa impressão.
Pode não ser evidente ou fácil envolvermo-nos em políticas públicas relativas ao meio ambiente que, do ponto de vista da espiritualidade, se compreende como cuidar do nosso relacionamento com a criação, mas a internet abre o mundo à nossa voz. Basta que tenhamos alguma coisa a dizer. Pode ser através de um blog, ou um texto que escrevemos e enviamos como opinião para um jornal digital, ou ainda pelas redes sociais (apesar de todas as suas limitações). A nossa experiência tem sempre valor e hoje, mais do que no passado, podemos partilhá-la como mundo e sermos testemunho de um estilo de vida diferente. Porém, quando andamos pela estrada continuamos a ver os fumos a sair dos tubos de escape após uma desnecessária aceleração e parece que por mais que pessoas como os cientistas, actores famosos ou o Papa expressem a necessidade de mudarmos os nossos comportamentos, esses (onde devemos incluir o nosso) parecem mudar pouco ou nada. Porquê?
Será que o mundo é (ainda) um lugar confortável para nós, bastando abrir a torneira para ter água, independentemente da quantidade que gastamos? Será por não termos outro remédio senão continuar a investir em carros a combustível fóssil por serem os que estão acessíveis às nossas possibilidades financeiras? Quando o passo que nos é pedido a dar no caminho difícil exige sacrifício, por que razão é tão difícil caminhar? Infelizmente, as grandes transformações exigem, por vezes, experiências extremas. Enquanto não estivermos perante a possibilidade de morrer, dificilmente faremos as escolhas difíceis para viver porque o efeito faz-se sentir apenas a longo prazo. E nos sistemas planetários onde toda a adaptação leva bastante tempo, é urgente começarmos a pensar que inverter o curso dos efeitos das alterações climáticas pode levar tanto tempo quanto levou a chegar a este ponto. Sim. Muitos, muitos anos. Há ainda esperança que nos motive a rezar, mudar comportamentos e testemunhar?
Transformar os corações, estilos de vida e políticas públicas é algo que podemos e devemos fazê-lo juntos, com o espírito de sinodalidade que estamos a re-descobrir a cada instante na vida da Igreja. Diz o Papa na sua Mensagem que — «À semelhança duma bacia hidrográfica com os seus numerosos afluentes grandes e pequenos, a Igreja é uma comunhão de inumeráveis Igrejas locais, comunidades religiosas e associações que se alimentam da mesma água. Cada fonte acrescenta a sua contribuição única e insubstituível, até confluírem todas no vasto oceano do amor misericordioso de Deus. Como um rio é fonte de vida para o ambiente que o rodeia, assim a nossa Igreja sinodal deve ser fonte de vida para a casa comum e quantos nela habitam.»
Durante estas férias atravessei Espanha. Quem o fez sabe que uma boa parte da paisagem contemplada da estrada parece um autêntico deserto. A um dado momento, no meio desse deserto havia uma povoação e achámos estranho. No mapa percebemos que por aquela vila passava um rio. Lembrei-me do filósofo grego Heraclito que dizia — «Assim como o rio que piso não é o mesmo, e é, assim eu sou e não sou.» (Fragmento 81) — e já no seu tempo ele havia intuído que — «Todas as coisas mudam.» (Frag. 36). A transformação interior, aparentemente, deveria ser uma realidade tão inescapável como aquela que acontece na natureza. Quando os passos que devemos dar parecem demasiado grandes, basta confiar na criatividade humana que todos dispomos de fragmentar em passos mais pequenos e dar o primeiro, nem que tenho o tamanho de um pé de bebé.
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