CIBERCULTURA – Há 35 anos tudo mudou…

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

… e hoje damo-nos conta disso. Em 1989, um cientista britânico chamado Tim Berners-Lee trabalhava no CERN, um grande laboratório na Suíça, e queria facilitar a comunicação entre os investigadores, juntamente com as Universidade e Instituições de Investigação pelo mundo. Sem ter essa intenção, a sua ideia quebrou a barreira que limitava os fluxos de informação. Em 2024 faz 35 anos que Tim criou um novo ambiente onde muitos vivem actualmente: a world wide web (www), a rede. Porém, isso representou uma mutação da nossa genética cultural que nos obriga ainda a uma adaptação.

Imagem criada pelo DALL-E com prompt de Miguel Panão

Quando comemos muito e depressa apanhamos uma indigestão. Porém, quando a world wide web abriu o restaurante da informação onde todos comem tudo o que querem por quanto tempo quiserem, ninguém imaginava o que seria uma indigestão informacional. Ao contrário de uma dor de barriga que se sente no corpo, uma indigestão informacional revela-se na superficialidade de pensamento que não se vê ou se sente, a não ser que pensemos seriamente nisso.

Com o surgimento da Era Digital, a internet tornou-se numa fonte inesgotável de informação, disponível a qualquer hora e em qualquer lugar. Esta democratização do acesso à informação que potencia o maior conhecimento da realidade, permitiu que todos pudessem explorar, aprender e partilhar a uma escala sem precedentes na nossa história. No entanto, esta inundação de dados/informação trouxe consigo novos desafios que poucos previram.

Em primeiro lugar, a abundância de informação disponível pode levar à sobrecarga cognitiva, tornando difícil distinguir entre dados úteis e irrelevantes. Com a proliferação de conteúdos digitais, somos constantemente bombardeados por notícias, artigos e opiniões que competem pela nossa atenção. Esta saturação informacional pode gerar alguma ansiedade e confusão, dificultando a capacidade de processar e reter informações de forma eficaz. Além disso, a falta de tempo para assimilar tantos dados pode levar à tomada de decisões precipitadas ou mal informadas.

Em segundo lugar, a facilidade de acesso a conteúdos não filtrados aumenta a propagação de desinformação e notícias falsas (“fake news“), o que pode influenciar negativamente a tomada de decisões informadas. Sem mecanismos robustos de verificação, as informações falsas ou distorcidas espalham-se rapidamente pelas redes sociais e outras plataformas online. Isto não só engana as pessoas como também pode provocar impactos sociais e políticos significativos, desde influenciar eleições até alimentar divisões sociais. A confiança nas fontes tradicionais de informação pode ser minada, exacerbando ainda mais o problema.

Por fim, a constante exposição a estímulos digitais, como notificações incessantes e actualizações em tempo real, pode reduzir a capacidade de nos concentrarmos e aprofundarmos as questões mais profundas, promovendo um pensamento mais superficial. A tendência para a multi-tarefa (multitasking) digital faz com que o cérebro salte de uma tarefa para outra sem se focar plenamente em nenhuma. Este hábito pode comprometer a capacidade de reflectir criticamente sobre as coisas e a criatividade, algo essencial para o desenvolvimento pessoal e profissional. Além disso, troca intensa entre tarefas pode afectar o bem-estar mental, causando tensões interiores e fadiga cognitiva.

Apesar das preocupações com a sobrecarga de informação, a Era Digital oferece uma oportunidade sem precedentes para expandirmos o nosso conhecimento e fomentarmos a autonomia intelectual necessária para distinguir o trigo do joio. A abundância de dados disponíveis permite-nos explorar múltiplas e diversificadas perspectivas, enriquecendo o diálogo e promovendo a inovação. A maturidade interior que não se conforma com a superficialidade de efemeridades faz com que o acesso a conteúdos não filtrados capacite as pessoas no desenvolvimento do seu pensamento crítico, confrontando diferentes fontes e validando nas informações que recebem por si mesmas. Além disso, se feita com equilíbrio entre o que é real e o que é virtual, a interação nos ambientes digitais pode melhorar a flexibilidade cognitiva e a capacidade de enfrentar diferentes tarefas como no multitasking, capacidades com valor irreversível num mundo cada vez mais interconectado e dinâmico. Em vez de superficialidade, se habitado com responsabilidade, o ambiente digital pode incentivar um envolvimento mais profundo com os temas, motivando a aprendizagem contínua e a adaptabilidade.

Em última análise, a abundância de informação e a interconexão proporcionadas pela Era Digital podem enriquecer o nosso intelecto e nutrir a vida interior se incluídas com moderação na vida real. Ao termos acesso a uma infinidade de conhecimentos e perspectivas, somos inspirados a explorar novas ideias, a questionar crenças estabelecidas e a aprofundar a compreensão de nós mesmos, do mundo que nos rodeia e até da própria experiência que podemos fazer com Deus. Esta expansão de horizontes alimenta a totalidade do nosso ser (alma), promovendo um sentido mais profundo de empatia, compaixão e propósito. Ao abraçarmos com ponderação as oportunidades que a Era Digital nos oferece, podemos cultivar um crescimento interior que transcende a mera acumulação de informação, conduzindo-nos a uma existência mais plena e espiritualmente enriquecedora.


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