Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
Li numa entrevista à cientista Robin Kimmerer sobre a sua convicção de que seria mais fácil a uma criança identificar mais de 10 logotipos, ao passo que duvidava da sua capacidade de identificar o nome de 10 plantas. O conhecimento das marcas suplantava “A Sabedoria da Terra” (título do seu livro). Recentemente, Robin escreveu um novo e desafiante livro com uma breve meditação sobre a abundância e a reciprocidade presentes no mundo natural, explorando a curiosa visão da Economia do Dom.
Para Robin Kimmerer—
«A gratidão e a reciprocidade são a moeda da Economia do Dom, e possuem a propriedade notável de multiplicar a cada câmbio, com a sua energia cada vez mais concentrada enquanto passa de mão em mão, como recurso verdadeiramente renovável.» (“The Serviceberry”, Scribner, 2024)
Numa Economia do Dom, a riqueza das pessoas compreende-se na partilha que fazem daquilo que têm e o modo de lidar com a abundância não é o de acumular o mais que pudermos, mas o de dar. Uma transação económica efectiva-se através dos relacionamentos, usando gratidão e a interdependência que se concretiza em ciclos de reciprocidade. Nas palavras de Robin—«Todo o florescer é mútuo.»
A prosperidade das comunidades que vivem uma Economia do Dom está no fluir de relacionamentos onde os bens acumulam-se quando são partilhados entre todos. Uma das histórias acutilantes que ilustra este aspecto contada por Robin é a de um indígena que caça um grande animal e trá-lo para a sua aldeia. Porém, em vez de alimentar apenas a sua família e conservar a carne com técnicas apropriadas, para ser consumida em posteriores refeições, ele decide convidar as pessoas da aldeia e todo o animal é consumido. Quando lhe perguntam por que razão não conservou a carne, ele fica admirado, dizendo que a conservou na barriga dos seus amigos. O Dom nesta visão económica gera-se na suficiência garantida pela partilha por todos da abundância que temos.
Na natureza, a competição favorece o desempenho individual, mas a cooperação favorece o desenvolvimento das comunidades. Daí a famosa frase de que—“Quem caminha sozinho pode até chegar mais rápido, mas aquele que vai acompanhado, com certeza vai mais longe.”—Quem vive para a eficiência económica caminha na tensão daquilo que existe, mas aquele que vive para a generosidade económica caminha na tensão da possibilidade de algo poder existir. Daí que na Economia do Dom encontremos uma nova esperança em cada dia. Por outro lado, existem exemplos onde as comunidades não cuidam apenas da fome do corpo, mas também da sede que sente a mente.
Junto ao Exploratório Ciência Viva em Coimbra, achei curioso haver uma antiga cabine telefónica convertida num viveiro de livros dados e recebidos gratuitamente. Quem quiser pode ali encontrar um livro para ler, assim como pode deixar um livro para que outros matar a sua sede de leitura.
Quando Robin se refere às linhas orientadoras daquilo que faria parte de uma Colheita Honrável numa agricultura animada por uma Economia do Dom, existe apenas uma frase que eu mudaria. Ela diz—«Nunca tirar o primeiro. Nunca tirar o último.»—fazendo-me lembrar as vezes em que vamos a uma festa e receamos ser os primeiros a começar a comer o croquete, ou a vergonha de sermos os que tiram o último rissol do prato. Porém, eu mudaria para—Oferece sempre o primeiro. Oferece sempre o último.—Ou seja, numa Economia do Dom a forma de começar e a de terminar não “nunca tirar”, mas agir, “oferecendo sempre”, isto é, dando.
Um dos problemas apontados a este tipo de ideias como a “Economia do Dom” é o do modo de as escalar e engrandecer. Isto porque existe uma visão reducionista da economia de sucesso como algo que se expande continuamente. Contudo, por que razão expandir? Não é na pequena escala, e no contexto em que se desenvolvem as comunidades, que se dá significado aos dons que fluem entre as pessoas?
Uma Economia do Dom baseia na lógica da suficiência porque a partilha garante que a abundância existe para ser partilhada, transformando a vivência económica das comunidades que aderem a este modo de ser e estar, num estado permanente de apoio mútuo. Uma curiosidade final é que num mundo cibercultural, talvez esta Economia do Dom nos impulsione a um reencontro com a natureza que dá, sem pedir, e na qual podemos encontrar o nosso devir.
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