CIBERCULTURA – A Emergente Religiosidade Tecnocrática

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

Ser Cristão no Sillicon Valley é a moda actual. A ciência e engenharia suportam o desenvolvimento tecnológico, mas não oferecem as respostas para as questões mais profundas. Num artigo; para a Vanity Fair, a jornalista Zoë Bernard explora como no mundo do capital de risco, a fé conta tanto quanto a capacidade de ter uma ideia que gera uma fortuna. Se queres que invistam na tua ideia, dá jeito seres Cristão. Há qualquer coisa de estranho nesta ligação entre a tecnocracia e a afirmação pública da fé.

Imagem criada pelo GPT-4o com prompt de Miguel Panão

O facto de as pessoas serem livres de afirmar a sua fé num mundo onde a inovação tecnológica parecia ligada a uma onda secular parece-me saudável. Por que razão havemos de esconder a fé que nos anima? Porém, a ligação entre o capitalismo e a experiência de Deus parece estranha aos olhos da intuição de Jesus quando afirmou — «Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.» (Mt 22, 21). Mas talvez esta ligação seja uma consequência natural do ambiente cultural neste lugar específico, onde se começa a reconhecer o valor de uma ética Cristã que tem durado milénios. Mas se não fosse o sucesso dos Cristãos de Sillicon Valley, esta onda existiria?

A tecnologia serve para melhorar a vida das pessoas. O que se pretende não é que a tecnologia seja expressão de eficiência, mas de generosidade. Por isso, apesar de reconhecer que só tendo recursos será possível desenvolver tecnologia de matriz cristã, por que razão nada parece estar a sair de Sillicon Valley que realmente esteja a enfrentar a fome, a guerra e o desperdício energético que está base de tanta injustiça para com o pobre e a natureza existente neste mundo?

De acordo com Katherine Boyle, investidora da American Dynamism, o empreendedores que se procuram actualmente são os que têm — «o fogo nos olhos, a ferocidade do discurso e acção que seja a manifestação física da seriedade» — Ou seja, procuram a pessoa que leva as coisas a sério, mas disruptivas por irem à missa ao Domingo. Diz Zoë Bernard que — «a nova religião é a religião.» Mas tudo gira em torno de pessoas com sucesso que manifestam publicamente a sua fé, tornando-se modelos a seguir porque, essencialmente, todos queremos atingir o sucesso na vida. Será isto autenticamente Cristão e o caminho da Nova Evangelização num mundo cibercultural que se avizinha?

Daniel Francis, católico e fundador da start-up Abel em Inteligência Artificial afirma que — «Como fundador, tens o dever de criar produtos de excelência e colocá-los nas mãos das pessoas. Ao fazer isso, estás a tornar Deus real na vida delas quando têm essa experiência.» — Parece-me estranho que experimentar um produto bom, porque tive dinheiro para isso, seja um modo de tornar Deus real na minha vida. A experiência de Deus ligada à experiência de um produto parece ser o que está na base desta experiência em Sillicon Valley e que merece algum espírito crítico da parte de cada cristão.

Luke Burgis, por exemplo, empresário católico, alerta que — «Em Silicon Valley existe uma forte corrente que procura criar algo que tome o lugar de um deus.» — referindo-se à criação de uma Inteligência Artificial Generalizada, ou mesmo de uma Superinteligência Artificial que os tecnocratas pretendem promover como geradora de uma “prosperidade massiva”, seguramente a troco do pagamento de um pacote Premium. Porém, de acordo com o investigor do Sillicon Valley Garry Tan, «As pessoas estão tão preparadas para transformar a Inteligência Artificial Geral (AGI) no seu deus. O que estamos a tentar fazer com eventos como este é dar-lhes uma alternativa.»—referindo ao evento ACTS 17 Collective que pretendia criar um ambiente saudável onde fé e a vida se intersectam.

O capital de risco que fazia parte do investimento de Jesus era o seu tempo e atenção. As pessoas que procuravam Jesus e se deixavam transformar por Ele procuravam um sentido mais profundo para a sua vida. Não era tanto o sucesso financeiro que as motivava, nem pode ser este tipo de sucesso que nos motiva a ser públicos na fé que professamos, oferecendo ao mundo um testemunho de agir cristão inspirado pela fé. O mundo é diferente do mundo no tempo de Jesus. Os jovens que andam à volta dos milionários que não escondem a sua fé cristã, pretendem investimento na sua ideia, de modo a serem também eles milionários. Se para isso precisam de ser cristãos, “assim seja”. A melhoria da vida das pessoas é o meio para atingir esse fim, não o fim em si mesmo porque o seu propósito não é dar a César o que pode estar no seu bolso. Contudo, vale a pena aproveitarmos esta onda para poder oferecer um testemunho de como a fé pode ser uma manifestação mais profunda da dimensão espiritual que anima todo o ser humano e inatingível a qualquer Inteligência Artificial. O amor, em vez do sucesso, exige também investimento e a experiência do produto que emerge do amor é gratuita, inclusiva e pode durar para o resto das nossas vidas.


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