Cheiro a pólvora na igreja

Paróquia católica em Gaza atingida por projéctil lançado por Israel

Foto: Fundação AIS

A Paróquia da Sagrada Família, em Gaza, foi gravemente atingida por um projéctil lançado por Israel no passado dia 17, causando pelo menos 4 mortos e vários feridos. Um deles é o pároco local, o sacerdote argentino Gabriel Romanelli. Um dia antes do ataque, ele enviava um vídeo para a Fundação AIS em que falava no “milagre de cada manhã”, pois a vida teimosamente persistia, apesar de tudo. Um milagre que foi agora interrompido pelo menos para 4 dos 500 cristãos que continuam refugiados nesta paróquia no meio desta guerra…

A Igreja da Sagrada Família, em Gaza, foi atingida na passada quinta-feira de manhã, 17 de Julho, por um projéctil lançado pelas tropas de Israel. Os dados mais recentes apontam para quatro mortos e vários feridos, entre os quais o Padre Gabriel Romanelli, o pároco local com quem o Papa Francisco falava ao telefone quase todos os dias. O edifício sofreu grandes danos estruturais e a comunidade cristã local permanece em estado de choque, uma vez que o conflito em curso continua a devastar a região. Num telegrama assinado pelo Cardeal Pietro Parolin, o Papa Leão XIV expressou de imediato que estava “profundamente entristecido” pelo ataque. O Pontífice assegurou ao Pároco Romanelli a sua proximidade espiritual e orações por toda a comunidade paroquial. O Santo Padre reiterou ainda o seu constante apelo por um “cessar-fogo imediato” na Faixa de Gaza, e expressou a “profunda esperança” por “diálogo, reconciliação e paz duradoura na região”.

“Caos e maldade da guerra…”

Na quarta-feira, dia anterior ao ataque, e numa mensagem de vídeo enviada à Fundação AIS Internacional, o Padre Gabriel Romanelli alertava para a deterioração da situação em Gaza, mas falava também no “milagre de cada manhã”, em que a comunidade começava o dia a rezar. “Hoje tivemos muitos bombardeamentos durante toda a noite, e também pela manhã. Na verdade, agora entrei um pouco na nossa capela para aproveitar que temos internet também para enviar este vídeo, mas há um cheiro a pólvora… No meio de tanto caos, tanta maldade da guerra, Deus concede-nos respirar ares de eternidade com esse milagre da manhã”, disse. No vídeo, que tem um pouco mais de sete minutos, o sacerdote argentino do Verbo Encarnado – que ainda em Março enviou uma mensagem para o Jubileu dos Cristãos Perseguidos, organizado em Portugal pela Fundação AIS – descrevia alguns dos momentos da vida quotidiana da comunidade refugiada na paróquia. “Ontem [terça-feira, 15 de Julho], durante a Missa, uma senhora sentiu-se mal. Chama-se Juda, teve uma quebra de tensão, por causa da glicose. Ela está bem, agora está estável, mas está fraquinha. Terminámos a Missa rezando por ela, e ela conseguiu chegar ao hospital num carro nosso, porque todas as estradas estão fechadas ou bombardeadas. Esperemos, não sei como estarão os pneus agora, só Deus sabe. Mas o importante é que a puderam levar, e depois puderam trazê-la à noite para dormir, aqui no salão, junto com a sua família.”

Crianças apanhadas no bombardeamento

Durante meses, a Paróquia da Sagrada Família tem sido um refúgio para cerca de 500 cristãos, incluindo famílias deslocadas de toda a Faixa de Gaza. Entre eles, estão crianças que, apenas alguns dias antes do ataque, partilharam os seus sonhos e medos com a Fundação AIS. Sonhos agora ensombrados pela incerteza, uma vez que as salas de aula onde encontraram abrigo estão neste momento fortemente danificadas. Julia, de 10 anos, disse: “Estou na igreja desde o início da guerra. Vivo com a minha família numa sala de aula do convento latino. Tenho duas irmãs, a Leila, que tem 13 anos, e a Natalie, que tem 9. Tenho saudades da escola e dos meus amigos. Sonho em tornar-me dermatologista. Quando tenho medo, a minha família dá-me uma sensação de segurança. Espero que a guerra acabe bem, que tudo reabra e que toda a gente regresse às suas casas.” Tal como ela, Tarek, de 14 anos, partilha também o mesmo desejo de uma vida normal. “Estou na igreja há cerca de oito meses. Vivo com a minha família numa sala de aula. Tenho duas irmãs. Tenho saudades da escola e dos meus colegas. Às vezes acordo e as coisas estão calmas, não há bombardeamentos, por isso vou ajudar na igreja. Sonho em ser médico. Os meus pais dão-me uma sensação de segurança. Espero que a guerra acabe, que toda a gente regresse às suas casas e que a passagem seja reaberta.” Estes testemunhos têm apenas alguns dias, mas neste momento, a situação de Julia, Tarek e das outras crianças que estão abrigadas na paróquia é incerta. Esta situação realça a necessidade crítica de paz e de acesso humanitário.

Apelo à Oração e à ajuda

A Fundação AIS apela a todos os benfeitores e amigos da instituição pontifícia para rezarem pela paz, pelo repouso das almas dos que morreram e de todos os que ficaram mais afectados por esta tragédia, incluindo o Padre Gabriel Romanelli e as crianças abrigadas na paróquia. Regina Lynch, presidente executiva internacional da fundação pontifícia lembra também a importância da solidariedade activa para com todos os Cristãos na Terra Santa, em Gaza e na Cisjordânia. “Depois do trágico ataque à paróquia católica em Gaza e do contínuo sofrimento das famílias cristãs na Cisjordânia, pedimos a todos os nossos amigos e benfeitores que se solidarizem com os nossos irmãos e irmãs cristãos na Terra Santa. Por favor, rezem por eles e, se possível, apoiem os nossos esforços para ajudar a Igreja em Gaza e na Cisjordânia durante este período crítico”, afirma a responsável da AIS. De facto, a ajuda humanitária é extremamente necessária, pois milhares de pessoas continuam sem acesso a cuidados médicos e a recursos essenciais. A paróquia, agora atingida por um bombardeamento, tornou-se um refúgio vital, oferecendo abrigo, medicamentos e apoio não só aos Cristãos, mas também a milhares de pessoas que fora do complexo carecem das necessidades mais básicas. Na mensagem enviada para Portugal, em Março deste ano, para o Jubileu dos Cristãos Perseguidos – que a AIS organizou em Arouca – o Padre Romanelli explicava a importância da oração de todos para que a paz se sobreponha à violência e à guerra, pondo-se fim ao tormento que se vive na região. “Na minha opinião, para vós, em Portugal, ou para todas as pessoas de boa vontade, a primeira coisa a fazer é rezar”, disse o Padre Romanelli já no final da sua mensagem. “Rezar, rezar a Nossa Senhora, a Nossa Senhora de Fátima, a quem temos muita devoção e a quem rezamos o terço todos os dias com as crianças e os adultos diante do Santíssimo”, explicou o sacerdote, concluindo: “Deus conceda que a paz chegue de verdade, o fim desta guerra”.

Paulo Aido | www.fundacao-ais.pt

(Os artigos de opinião publicados na secção ‘Opinião’ e ‘Rubricas’ do portal da Agência Ecclesia são da responsabilidade de quem os assina e vinculam apenas os seus autores.)

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