Chega?

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

“Quanto é suficiente?” (Bill McKibbem, naturalista)

Vivemos num mundo que preza e despreza o crescimento a muitos níveis. Enquanto preza pelo crescimento económico, sobretudo das nações mais desenvolvidas, despreza o crescimento populacional, sobretudo nas zonas menos desenvolvidas. Enquanto se preza pelo aumento da riqueza e dos lucros das grandes empresas, despreza-se as necessidades das populações em zonas onde há maior dificuldade, e depois, atribui-se ao crescimento populacional uma das razões da crise ecológica. Estranho.

Foto de Muhammadtaha Ibrahim em Unsplash

 

Há uma diferença grande entre crescer e progredir. Uma criança cresce até certa idade, mas depois progride. Se prezamos ainda muito o crescimento, quando passaremos à fase de progredir? Enquanto o crescimento é sinal de uma maturidade por atingir, o progresso com aquilo que somos, procurando melhorar sempre, é um sinal de uma maturidade sustentada. Quando progredimos, o crescimento não é o que orienta as nossas acções, mas antes o equilíbrio. O problema é que alguns podem ver no equilíbrio algo de estático e que não desenvolve. Algo que parou no tempo. Não seria mau parar no tempo para pensar melhor nos caminhos que trilhamos, mas não é bem assim.

 

Equilíbrio

Numa reacção química existe sempre um equilíbrio entre os reagentes e os produtos da reacção. E quando esse equilíbrio é perturbado, o sistema reage no sentido de encontrar, de novo, o equilíbrio. O que aprendi em química é que uma reacção química equilibrada não é estática, mas dinâmica. Algo relacionado com a grande conferência das alterações climáticas.

No COP25 em Madrid discutem-se, essencialmente, as cotas de cada país no Mercado de Carbono, a busca de acções políticas concretas para limitar as emissões de gases com efeito de estufa, e todo o empenho dos activistas de apelo à consciência política da situação em que vivemos é muito importante. Mas não podemos esquecer que a Conferência das Partes (Conference Of Parties – COP) deveria ser, antes de tudo, um Compromisso dos Praticantes (Compromise Of Practitioners – COP, também) porque se não praticamos o que desejamos ver realizado no mundo, de que serve tanto alarido?

O desequilíbrio ambiental começa em casa, na vida, na falta de equilíbrio quotidiano em cada pessoa. Em mim, em ti, em cada um de nós está a possibilidade de transformar o mundo. E se não acreditas que o pouco que fazes tem valor, está na altura que tomar consciência disso. Está na altura não só de dizer – “chega!” – aos políticos, mas viver concretamente o que isso significa. Isto é, procurar o equilíbrio com o suficiente, o quanto basta, o que chega para viver e progredir. Pois, enquanto vivermos na imaturidade do crescimento, o último modelo de telemóvel não será suficiente e estaremos sempre sedentos do modelo que vem a seguir.

O elogio do suficiente, progredindo, é a marca de excelência de um mundo novo mais equilibrado.

 

Progredir

“Menos é mais.” (Robert Browning, poeta inglês)

De cada vez que assistia a uma apresentação do novo iPhone, ficava sempre a pensar em mudar para a nova versão. Só a voz sábia da minha esposa com uma simples questão conseguia devolver-me a consciência plena das implicações desse desejo – ”Precisas?”

Desde que experimentei a nova abordagem aos telemóveis com o iPhone apercebi-me da possibilidade de nos afeiçoarmos à tecnologia. Esta deixou de ser uma questão funcional, como era inicialmente, passando a fazer parte dos nossos afectos. Parece que estou exagerar, mas, infelizmente, a partir do momento em que se pondera incluir a nomofobia, ou a fobia de ficar sem o telemóvel (no-mobile phone phobia – nomophobia) como uma doença do foro mental, talvez não seja exagerado pensar nos afectos com a tecnologia.

A adesão inter-geracional massiva às novas tecnologias expressa como pensamos tornamo-nos mais com essas, ou seja, crescemos em certo sentido, mas isso reflecte, na minha opinião, o afecto ao crescimento. E quando nos afeiçoamos ao crescimento, devíamo-nos questionar sobre a sua necessidade.

A sustentabilidade ambiental, social, relacional está no desenvolvimento a partir daquilo que temos, não precisando de ter mais, mas de ter menos e, com isso, fazer melhor. Talvez seja necessário desenvolver mais o afecto pelo equilíbrio do que pelo crescimento, e a busca pelo suficiente, por ser mais com menos. Quando estamos cientes daquilo que chega, o nosso olhar abre-se ao modo dinâmico de continuarmos a progredir. Apesar de jovem, o exemplo de Greta Thunberg parte da base, não do topo e mostra como cada um, independentemente da idade que tem ou condição social, pode ser uma força transformativa do nosso mundo. Basta ter a consciência plena daquilo que chega.

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Agência ECCLESIA

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