Homilia do Cardeal-Patriarca de Lisboa na Missa das Ordenações Queridos Ordinandos Irmãos e Irmãs 1. Por coincidência feliz, as leituras deste Domingo falam-nos de chamamentos: a seguir Jesus, ao ministério profético, à liberdade em Cristo ressuscitado, convite a viver a vida ao ritmo do definitivo de Deus e não da precariedade da natureza. Que Deus chama é verificação que todos os crentes podem fazer, ao ritmo da história da salvação. Tem como pano de fundo a fé em Deus e no Seu Filho Jesus Cristo, que situa Deus como interveniente contínuo na nossa vida e na nossa liberdade. Não basta aceitar que Deus existe, é preciso aprender a viver com Ele, numa intimidade crescente que o torna vivo na nossa vida. Essa presença contínua revela-se solicitude amorosa, manifestação do Seu desígnio e da Sua vontade, a respeito de cada um de nós e de todos os homens para os quais Ele deseja a plenitude da vida. É por isso que Ele chama alguns para os enviar aos seus irmãos. Eles vão colaborar com Deus na realização do Seu desígnio. 2. Deus chama, antes de mais, para o ministério. Já assim era no Antigo Testamento; é assim, com a radicalidade da Páscoa de Cristo, o grande chamado e enviado, na Igreja, novo Povo de Deus. Eliseu é chamado para o ministério profético. O chamamento de Deus é-lhe manifestado, não por um discurso, mas por um gesto. O grande Elias, certo da escolha do Senhor, não precisa de convencer Eliseu, estende-lhe sobre os ombros a sua capa, e Eliseu captou a força desse gesto. Ainda hoje, na Igreja, Deus pode chamar através de sinais: circunstâncias concretas que podem fazer sentir ao cristão a urgência do serviço; a interpelação da vida de pessoas chamadas, totalmente entregues ao Reino de Deus; acontecimentos da vida pessoal, que rasgam no coração a abertura para o absoluto. Estes sinais são, depois, clarificados pela palavra da Igreja, que deve interpretar a sua origem divina. Aquilo a que hoje chamamos “pastoral das vocações”, não é, prioritariamente, um discurso para convencer, mas sim o caminho em que se ajudam os cristãos a serem sensíveis aos sinais de um chamamento divino, fazendo o seu discernimento à luz da fé e da palavra da Igreja. No caso de Eliseu, ele fica surpreendido e assustado com o chamamento, mas a sua obediência é total. Capta-lhe a exigência de mudança radical de vida: mata os bois e queima o arado. Jesus sublinha essa exigência aos que se dispõem a segui-l’O: “As raposas têm as suas tocas e as aves do Céu os seus ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça” (Lc. 9,58); “Deixa que os mortos sepultem os seus mortos; tu vai anunciar o Reino de Deus” (Lc. 9,60). Queridos ordinandos, Deus chamou-vos, antes de mais, para o ministério, dos presbíteros e dos diáconos chamamento que a Igreja hoje confirma. O serviço do Povo de Deus, que Cristo ama como Bom Pastor, será a principal inspiração da vossa espiritualidade, a fonte de toda a exigência e generosidade; será também a vossa gratificação e recompensa, porque motivo da vossa alegria. Sereis acolhidos e amados pelo Povo de Deus, não por causa das vossas qualidades humanas, mas na medida em que fordes presenças sacramentais de Cristo Bom Pastor. 3. Ao chamar-vos para o ministério, Cristo convida-vos a segui-l’O. E tu segue-Me, é a palavra perene de Jesus aos discípulos. Os sacerdotes e os diáconos têm de contar-se entre os mais decididos discípulos, seguindo Jesus com a vida toda. Como a de todos os cristãos, a vida dos sacerdotes e dos diáconos tem de ser vivida com Cristo, numa intimidade que o próprio ministério radicaliza e aprofunda. Só Ele é plenamente Sacerdote e Servo. Na medida em que comungarmos, com Ele, a vida, seremos sacerdotes e aprenderemos a servir. Com Ele aprenderemos a caridade pastoral, na generosidade do dom, na clareza do caminho a seguir, na bondade e na mansidão. Nunca esqueçamos que Ele é Bom Pastor, e recomendou aos discípulos: aprendei comigo que Sou manso e humilde de coração. Não vos deixeis cair na tentação “de fazer descer fogo do Céu” perante as dificuldades, incompreensões ou julgamentos injustos. 4. Segundo a Carta de São Paulo aos Gálatas, o chamamento é, também, o desafio a uma nova experiência de liberdade, que se há-de exprimir, não no fazer o que apetece, mas na ousadia da vida nova em Cristo ressuscitado, conduzidos pelo Espírito Santo. A “carne”, isto é, o homem velho, tem desejos contrários aos do Espírito. Isto foi verdade em todos os tempos mas é particularmente exigente no tempo que vivemos. Os ministros ordenados têm de ser, na sua própria vida, o anúncio do mundo novo. Se é legítimo e necessário vivermos ao ritmo do tempo, temos de vencer o espírito do mundo. O Espírito Santo será a vossa força; Cristo, o vosso Mestre e Pastor, a Igreja a vossa casa, e Maria a Mãe solícita que vos amparará e guiará nesta construção do tempo definitivo. Mosteiro dos Jerónimos, 1 de Julho de 2007 † JOSÉ, Cardeal-Patriarca