Tony Neves, em Roma
O meu primeiro encontro com João Paulo II aconteceu em dia de tempestade. Estava eu no Estádio de Coimbra à espera dele quando todos ouvimos, pelos altifalantes, que o nevoeiro era tanto que o helicóptero não viria. Sobrava como alternativa o comboio e, assim, a multidão passou uma noite fria e molhada nas bancadas do velho estádio. O Papa chegaria pela manhã do dia seguinte e nunca mais este momento se me apagou da memória. Foi em 1982!
A Paz para Angola foi assinada em 1991 e o Papa visitou o país logo no ano seguinte, com o grande objectivo de cimentar uma paz que se sabia ser frágil. Para meu espanto, a Rádio Nacional de Angola, a única oficialmente a emitir no país, convidou-me para comentador permanente, devendo acompanhar todas as deslocações do Papa e comentar, em directo, toda as celebrações e encontros que constavam de um programa cheiíssimo: Luanda, Mbanza Congo, Lubango, Benguela, Cabinda, Huambo, S. Tomé… Foi memorável a festa africana feita em cada lugar por onde o Papa passava, num tempo em que João Paulo II era jovem e aguentava um ritmo acelerado como este que se lhe exigia por terras africanas.
Já de regresso à Europa, acompanhei um grupo de Jovens Sem Fronteiras de Portugal e Cabo Verde a Paris para as Jornadas Mundiais da Juventude. Estávamos no ano de 1997 e já lá encontrei um Papa fragilizado pela idade e pela doença que resultou, entre outras coisas, da bala que apanhou no peito. Foram umas JMJ fantásticas e tive uma enorme alegria em voltar a vibrar com este Papa polaco.
Depois, em 2000, acompanhei-o em Fátima. A sua debilidade extrema já incomodava, mas causava uma admiração extraordinária. Nunca mais o vi pessoalmente, mas acompanhei, como todo o mundo, os seus dias finais e a sua morte, naquele inesquecível 2 de abril de 2005. Também vivi intensamente a sua canonização, juntamente com a do Papa João XXIII, em 2014.
J. Paulo II construiu uma ponte entre a Europa do silêncio (esmagada e oprimida do outro lado da cortina de ferro) e a Europa ocidental (abafada nas suas convicções ancestrais pelo indiferentismo religioso). Deu um empurrão e ajudou a deitar abaixo o Muro de Berlim e, com ele, acabou a guerra fria que opunha o capitalismo ao socialismo, impondo ao mundo o equilíbrio do terror, assente na corrida aos armamentos. Com J. Paulo II, o mundo respirou de alívio, mas o capitalismo liberal, gerador de enormes desigualdades sociais, impôs-se como sistema único. O Papa que ‘veio de longe’ lançou-se na aventura de percorrer os caminhos do mundo para falar de Cristo, apostando forte nas ‘Viagens apostólicas’. Criou as ‘Jornadas Mundiais da Juventude’ que congregam milhões de jovens, reforçando a sua missão. Promoveu em Assis o Encontro dos líderes Religiosos de todo o mundo para rezar pela Paz, ideia reforçada por Bento XVI e Francisco.
Foi canonizado com o Papa João XXIII, o grande homem que intuiu e convocou o Concílio Vaticano II. São dois Papas que marcaram o fim do segundo milénio. A canonização conjunta mostrou à Igreja e ao mundo a riqueza da pluralidade. São dois estilos completamente diferentes, mas com algo de essencial em comum: o amor à Igreja, a fidelidade ao Evangelho e a abertura da Igreja com atenção aos sinais dos tempos.
Se tivesse que eleger uma ‘obra’ de cada um deles, diria que me marcaram a ‘Pacem in Terris’ de João XXIII e a ‘Redemptoris Missio’ de J. Paulo II. Duas encíclicas em que a Missão, num sentido muito alargado do termo, joga um papel decisivo na vida da Igreja, na sua relação com o mundo.
Cem anos depois de ter vindo ao mundo, S. João Paulo II verá a celebração do seu centenário de nascimento coincidir com a re-abertura da Basílica de S. Pedro e de todas as Igrejas de Itália, a marcar o regresso das celebrações das Eucaristias com a participação do povo. Ele, a partir de lá de cima, deve ter dado um jeitinho para acontecer esta coincidência no calendário da Igreja e do Governo em Itália!