Celebração da Paixão do Senhor – D. Nuno Brás

SEXTA-FEIRA SANTA

Solene Acção Litúrgica

Sé do Funchal, 7 de abril de 2023

“Pai, em vossas mãos entrego o meu Espírito”

“Que hei-de fazer com Jesus, chamado o Cristo?”: a questão de Pilatos tem estado a conduzir-nos ao longo desta Semana Santa, como se fosse dirigida a todos, em particular a nós, cristãos.

Ela continua pois, diante de nós, também neste dia de Sexta-feira Santa. Se ontem respondíamos: “deixa que Jesus tem ensine a amar”, hoje, perante a morte de Jesus na cruz, devemos responder: “deixa que Jesus te ensine a rezar”.

1. Com efeito, as palavras de Jesus na cruz são, antes de mais nada, oração. São várias as passagens dos evangelhos em que Jesus nos aparece a rezar. Sobretudo nos momentos importantes da sua vida. A sua oração era tal que os discípulos — que faziam parte do povo judeu, um povo habituado a rezar e que fazia da oração uma das marcas do seu dia! — não hesitaram em pedir-lhe: “Senhor, ensina-nos a rezar” (Lc 11,1).

A oração é o modo como Jesus viveu: sempre unido ao Pai. Não espanta, por isso, que Ele viva na oração este momento derradeiro mas central da sua vida na terra e de toda a história do universo, que é a sua morte na cruz. Tudo em Jesus é oração, porque nele tudo é entrega nas mãos do Pai e tudo é cumprimento da missão recebida.

Os quatro evangelistas concordam nesta atitude de oração vivida por Jesus. É certo que colocam na boca do Senhor diferentes passagens da Escritura: em S. Mateus (27,46.50) e S. Marcos (15,34), Jesus reza o Salmo 21(22): “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes?” (v. 1), fazendo-se intérprete do sofrimento maior de qualquer ser humano ao ver-se votado ao abandono e ao sentir-se abandonado pelo próprio Deus, ainda que sempre cheio de confiança e entregando-se totalmente ao Pai; S. Lucas, por seu lado, ajuda-nos a perceber essa oração do Senhor através do Salmo 30(31): “Pai, em vossas mãos entrego o meu Espírito” (v. 5 cf. Lc 23,46); e, por fim, S. João, como acabámos de escutar, resume a atitude do Senhor: “Tudo está consumado” — quer dizer: Jesus percebe que tinha sido realizada toda a missão que o Pai lhe confiara; e, ao mesmo tempo, percebe como a própria história do mundo encontrava ali, na cruz, o seu ponto alto e seguro, a realidade firme sobre a qual o mundo se podia, de verdade, reerguer. Coincidindo com S. Mateus e S. Lucas, o quarto evangelista acrescenta ainda: “E entregou o Espírito”. Jesus morreu a rezar e ensina-nos e convida-nos a tomar parte na sua oração.

2. Que podemos aprender da oração de Jesus? Ela é, em primeiro lugar, disponibilidade total para a vontade do Pai: “Não se faça a minha vontade mas a tua”. E desse modo há-de também ser a nossa oração: atitude de completa abertura à vontade de Deus, mais que a procura de que Deus realize os nossos desejos e caprichos. Rezamos para ter disponibilidade total para Deus na nossa vida.

Depois, notemos que Jesus reza com a Escritura, a palavra que Deus nos oferece como alimento, como resposta, e onde podemos encontrar tudo quanto havemos de dizer ao Pai. Jesus reza com a Escritura; e também nós havemos, cada vez mais, de partir da Sagrada Escritura, de a fazer nossa, de aprender a tomá-la como oração, como alimento.

Jesus faz seus os sofrimentos dos que sofrem. A sua oração está bem longe de ser apenas um pedido de algo de que Ele necessita. Pela sua boca e pelo seu coração, surgem os gritos, os estados de alma daqueles que vivem um momento de derrota, de morte, para os apresentar ao Pai. A nossa oração, longe de ser apenas qualquer coisa que nos diga respeito, é também a voz daqueles que não sabem rezar; é o grito de quantos se vêem abandonados; é a palavra daqueles que pensam ter sido esquecidos até pelo próprio Deus.

A oração de Jesus na cruz é, também, atitude de total confiança. Apesar de se ver abandonado por todos — e de se sentir mesmo abandonado pelo Pai — Jesus continua a confiar, totalmente. Ele, que conhece intimamente o Pai, bem sabe que este sempre olha o horizonte e espera o regresso do Pródigo; bem sabe que o Pai está sempre pronto à festa da reconciliação. Também nós havemos de pedir a confiança total no Pai: Ele pode ter outros desígnios sobre nós e sobre o mundo; pode mesmo parecer tardar na sua resposta — mas jamais abandonará os seus filhos ao poder da morte. Ele está atento, vê a aflição do Seu Povo. Rezamos pedindo esta mesma confiança total no Pai.

Em suma: de Jesus que reza ao Pai na cruz, percebemos e pedimos que a nossa oração seja a sua oração: que, ao rezarmos, como diz S. Paulo, tenhamos em nós os mesmos sentimentos do Senhor (Filp 2,5). Não queremos outra oração: o que pedimos, o que agradecemos, o que partilhamos com o Pai seja coincidente com o que Jesus pede, agradece, partilha.

E mais: queremos que a nossa oração seja a oração de Jesus em nós. Cristãos que somos, queremos, no meio deste mundo, ser o espaço que Jesus encontra para poder continuar a rezar: “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?”; “Pai, em vossas mãos entrego o meu Espírito”; “Tudo está consumado!”.

Que havemos de fazer com Jesus? Aprende com Ele a rezar ao Pai!

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Agência ECCLESIA

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