Causa da nossa harmonia

Paulo Rocha, Agência ECCLESIA

Há poucos anos desafiei um responsável da Igreja Católica em Portugal a escrever regularmente para a Agência ECCLESIA. Iniciava, na altura, uma nova etapa da sua vida, após anos consecutivos em estâncias de liderança eclesial, agora com a possibilidade de reflexão sem a ditadura do tempo e sobretudo num momento em que a agenda de quem manda deixava de exigir a presença em todos os atos de decisão para a “palavra final”. Primeiro, a proposta foi deixada de lado; depois adiada; e finalmente começámos a falar em temas, onde se incluíram os que motivam reações extremas, como o casamento dos sacerdotes ou a ordenação de mulheres. E espontaneamente começaram considerações sobre o papel da mulher na Igreja Católica, nomeadamente em lugares de chefia. Nessa ocasião, a reação foi imediata: “se for para ser, estar e fazer como os homens, não vale a pena o debate. A mulher há de ter um modo de ser, estar e fazer em Igreja que lhe é próprio. Sobre isso vale a pena refletir e escrever…”

Enquanto não chegam esses escritos, outra achega metodológica para o tratamento de um tema quase sempre inconsequente, mas recorrente, sobretudo quando se reduz a um Dia Internacional, mesmo que seja da Mulher. Trata-se da relação com o feminino. Todos o conhecemos a respeito de uma mãe, quase todos o experimentamos em contactos de amizade, muitos vivemos essa relação no contexto do casamento, onde acontece com grande frequência a relação filial, nomeadamente no feminino. E este âmbito da relação, de uma filha com o seu pai, é fortemente inspirador no debate sobre a presença da mulher em Igreja. De facto, como na relação com a mãe e com a sua mulher, a relação de um pai com uma filha (e o mesmo se poderá dizer de uma mãe em relação a um filho ou globalmente dos pais com os filhos) é, por natureza, ocasião de harmonia, de desenvolvimento de um e outra, de equilíbrio dos dois, de respeito pela identidade e percurso de cada um. Claro que infelizmente acontecem histórias que o desmentem, algumas mesmo indignas de seres humanos. Mas a normal relação de um pai com uma filha, a cumplicidade que a envolve, a proteção que reclama e a autonomia que exige é fator de inspiração para identificar a relevância da mulher na Igreja e no relacionamento filial que toda ela, a Igreja, tem de ter com Deus Pai.

Sem tratados sobre o papel da mulher na Igreja Católica e num debate normalmente feito com pouco espaço para grandes manobras, o caminho faz-se caminhando… E, felizmente, muitas histórias mostram que há já muito caminho feito! O pontificado do Papa Francisco deu um impulso, não tanto pelo debate que geraram algumas declarações, novamente entre extremos, mas pelo posicionamento em que o colocou: o contributo dos leigos na Igreja não acontece quando estes se clericalizam e nem o papel das mulheres tem de seguir qualquer espécie de “hominização”. Francisco considera que “quando não há a mulher, falta a harmonia” na Igreja Católica. E a harmonia só acontece quando se juntam diferentes sons, cores, espaços… Seres humanos também.

Num ano em que Maria é recordada no contexto do centenário das Aparições de Fátima, evocada por muitos crentes como “causa da nossa alegria”, a organização eclesial enfrenta o desafio de descobrir o feminino na Igreja como “causa da nossa harmonia”, como sugere o Papa Francisco. E só o será se o projeto não for para ser, estar e fazer igual ao homem, mas para ser, estar e fazer no feminino!  

Paulo Rocha 

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