Catolicismo em mudança apresentado no Vaticano

Secretário da CEP antecipa visita dos Bispos ao Papa, a primeira em oito anos Numa longa entrevista à Agência ECCLESIA, D. Carlos Azevedo, Secretário da Conferência Episcopal Portuguesa, analisa as alterações no catolicismo português, que os Bispos apresentarão no Vaticano na próxima visita Ad limina. Agência ECCLESIA (AE) – Na primeira visita «Ad limina» dos bispos de Portugal neste milénio que rosto ou imagem levarão da Igreja Portuguesa ao Papa Bento XVI? D. Carlos Azevedo (CA) – Esse quadro será difícil de estabelecer porque cada relatório da visita «Ad Limina» é enviado pelos bispos de cada diocese. Não há uma visão de conjunto do que é a realidade dessas dioceses. Só a conhecemos através do Anuário Católico e através das estatísticas. Estes dados são um pouco «secos» para percebermos a realidade pastoral e as dificuldades de cada diocese. No entanto, concluímos que, nos últimos anos, há um decréscimo de frequência de prática dominical. Notamos também que, a nível da realidade pastoral, há uma dificuldade de relação com a juventude e com as questões da família. Por outro lado, há um crescimento de alguns movimentos, sobretudo dos Neo-Catecumenais. Em algumas dioceses, estes têm uma implantação forte e têm formado muitos cristãos. A nível dos seminários e de ordenações para o ministério presbiteral notamos que há um decréscimo desde o ano 2000. Apesar desta fragilidade, as dioceses não têm tido uma preocupação de lançar uma pastoral vocacional. Parece uma questão que aflige apenas verbalmente porque não há um envolvimento de equipas e um estabelecer de prioridades. AE – Perante estas constatações, já existe uma reflexão sobre o porquê deste decréscimo da prática dominical? CA – Na altura – ainda não estava na Conferência Episcopal – houve uma preocupação imediata com a situação e convidou-se algumas personalidades a ajudar os bispos a reflectir sobre esta temática. Parece a época dos incêndios – toda a gente está preocupada na altura – mas, passada essa fase, espera-se pelo ano seguinte. No ano 2010 ou 2011, quando se fizer outro censo, ficaremos preocupados. Até lá ficaremos descansados. AE – A Igreja está despreocupada com estes pormenores importantes? CA – Se as pessoas deixam de frequentar, devemos aprofundar as razões e fazer um programa para que voltem. AE – Há ou não há reflexão sobre estas questões? CA – Houve reflexão, mas depois não existiu um conjunto de medidas eficazes e operacionais que atendessem a estes problemas. Podemos dizer que é inevitável – as pessoas têm outras prioridades – mas, daquilo que depende de nós, não se faz muito. As celebrações continuam a ter pouca beleza. Muitas vezes, as homilias são mal preparadas. A música litúrgica não aumenta de qualidade. As propostas de oferta de celebração não são as mais adequadas. Por outro lado, a formação de cristãos com sentido de vida comunitária também é escassa. Quando se fazem actos relacionados com a religião individual – caso das procissões ou grandes festas – as pessoas aderem. Todavia, isto não significa nada do ponto de vista comunitário porque muitas vezes não passa de uma mera religião natural que tem pouco fundamento cristão e evangélico. Perante a leitura dos dados é fundamental “arregaçar as mangas” para formar cristãos. AE – Como superar as dificuldades de diálogo com a juventude e a família? CA – Não me compete dar receitas, mas reconheço que há experiências positivas. Os movimentos são capazes de apontar algumas vias de solução. A Nova Evangelização passa muito pelos sectores da Família e da Juventude. Pela construção de lares que sejam igrejas domésticas e ser mais profunda a transmissão da fé para as novas gerações. Os dez anos de catequese não estão a formar cristãos. Os milhares de crismados feitos todos os anos nas dioceses não são cristãos de corpo inteiro nas comunidades cristãs. Não rejuvenescem as comunidades cristãs. Estas situações obrigam-nos a parar para pensar. É fundamental a vitalidade cristã. Temos que reconsiderar a forma de fazer pastoral. Cristianismo em Portugal AE – Essa vitalidade existe nas expressões de religiosidade popular. Os portugueses são cristãos da festa da aldeia? CA – A prática de um certo catolicismo popular ainda é um sustentáculo de alguma ligação com a Igreja. Apesar das pistas dadas para evangelizar essas práticas populares, essas ficam muitas vezes reduzidas à sua expressão natural. Não se lhes dá uma vertente cristianizada ou evangelizada. AE – Falta dar o salto para o sentido comunitário da festa? CA – É preciso uma experiência de Deus. Muitos ainda não se encontraram com Cristo, apesar de terem alguma prática religiosa. Muita vezes ficamos admirados como é que as pessoas, de manhã, vão a uma celebração, à tarde, vão a uma seita, e, à noite, vão à bruxa. Isto significa que há uma aspiração espiritual muito vaga. As pessoas sentam necessidade de algo mais, mas não é uma opção profunda por Cristo. AE – Como não consegue educar correctamente os cristãos, podemos dizer que o clero é mau professor? CA – A transmissão da fé não passa apenas pelos pastores. Passa por toda a comunidade cristã. É fundamental, na Igreja portuguesa, a urgência da formação de cristãos adultos. Há um investimento grande na catequese da infância e adolescência, mas formar agentes da nova evangelização é mais difícil. É uma das lacunas da Igreja em Portugal. AE – O que significa o «chavão» da Nova Evangelização? CA – É um modo novo (nova linguagem, novo método, novo ardor) de despertar atitudes para a vivência da fé nos já baptizados. Nota-se falta de coerência nos valores e na dimensão vivencial dos cristãos. Falta uma verdaeira «Nova Evangelização». AE – No entanto alguns movimentos estão numa fase crescente. Aí, já chegou a Nova Evangelização? CA – Eles são capazes de chegar a essa dimensão através da exigência de vida. No caso dos Carismáticos, mais pela oração. No caso dos Neo-Catecumenais, pela formação catecumenal. É uma formação que não é meramente doutrinal. Muitas vezes reduzimos a formação cristã à vertente escolar. A catequese não é uma escola. O catecumenado não é uma escola. É uma aprendizagem de vida, tal como aconteceu com Jesus e os discípulos. AE – Os métodos desses movimentos são apostas para o futuro? CA – Essas experiências são eficazes na formação mas não podemos reduzir somente a estas. É fundamental recorrer à diversidade de formas pastorais na Igreja. Nem todos têm uma apetência para seguir uma metodologia carismática ou neo-catecumenal. AE – No entanto, estas têm tido sucesso. CA – Demonstram-nos que é possível a vivacidade da fé. Existem paróquias que também têm sucesso, mas são menos faladas. Como a cristandade acabou é necessária uma nova forma de prática pastoral. João Paulo II apelou a uma nova metodologia para a vida pastoral. Olhar a sociedade AE – O método «Ver-Julgar-Agir» da Acção Católica não funciona nos tempos contemporâneos? CA – É uma metodologia eficaz. Se existirem formadores que a apliquem no concreto da vida das pessoas, ela continua a ser uma forma de formar. Não se trata apenas de ver a sociedade e depois fazer análises. Se víssemos as conclusões de todas as semanas nacionais teríamos que fazer um exame de consciência. Muitas coisas foram meramente desejadas e não concretizadas. Certo dia, disse numa entrevista que temos uma pastoral muito erótica porque fica apenas nos desejos. AE – Recentemente, disse que «não intervir é pecar». A igreja já viu os problemas mas não consegue dar o salto para a intervenção? CA – Há uma grande dificuldade de operacionalidade na Igreja em Portugal. Fazem-se análises objectivas e interessantes, mas não há quem dê corpo às soluções apontadas. AE – Numa civilização urbana, onde a indiferença reina, a Igreja deveria assumir um papel congregador. CA – Isso acontece muitas vezes. Ir à missa ao domingo não deve ser uma «obrigação» mas o celebrar a fé. AE – A celebração implica alegria, mas essa é, muitas vezes, escassa nas eucaristias. CA – Muitas vezes, o celebrante tem que fazer um esforço para animar a comunidade. As pessoas estão sisudas e dão respostas sem vivacidade. Os cristãos quando entram na igreja colocam uma cara de sexta-feira santa. Temos um cristianismo pouco pascal e demasiado quaresmal. É reduzida a perspectiva de acolher o cristianismo como salvação e esperança. Espero que a nova encíclica do Papa possa impulsionar esta dinâmica. Linguagens AE – Os documentos pontifícios não são demasiado «pesados» para a pouca formação dos cristãos portugueses? CA – Depois de publicados, os documentos são explicados nas paróquias. Usa-se uma linguagem simples para criar apetite às pessoas e as fazer entender o conteúdo. Os documentos de Bento XVI são mais fáceis de ler do que os de João Paulo II. Apesar de não termos cristãos preparados é fundamental elevar o nível. AE – A Pastoral Vocacional é outro ponto que merece a atenção do episcopado. O número de candidatos está a diminuir a olhos vistos. É o reflexo do hedonismo da sociedade? CA – Deve-se à complexidade da hierarquia de valores. Esta concretiza-se nas escolhas das pessoas. Por outro lado, assistimos a famílias menos numerosas e os pais não colocam a hipótese de o filho ser padre. Muitas vezes, a comunidade também não aprecia o trabalho daqueles que se dedicam a esta missão. O padre aparece como “burro de carga” que assume imensas tarefas e isto não seduz o jovem. Actualmente, as pessoas preferem a qualidade de vida. É um conjunto de factores internos e externos à vida da igreja. Quando os obstáculos são maiores, é necessária maior capacidade para os ultrapassar. AE – Não era preferível dar algumas tarefas aos leigos para aliviar o trabalho dos padres? CA – Os padres devem dedicar-se mais à sua missão específica. AE – Qual é essa missão específica? CA – Verem-se livres de tarefas adjacentes que foram acumulando ao longo da história. Têm alguma dificuldade em se desprenderem do que acumularam. Um padre não tem que ser gestor de centros sociais. O padre não tem que ser administrador dos bens de uma paróquia ou diocese. O padre não tem que ser o burocrata de serviço da paróquia. A sua missão específica é evangelizar e formar cristãos. Ser mistagogo. Esta é outra dimensão que tem sido descuidada. AE – Voltar às catequeses mistagógicas. CA – Não é só as catequeses mistagógicas. Ensinar as pessoas a abrirem-se ao mistério (mistagogia) e ensinar as pessoas a terem uma vivência espiritual de Deus. Cada vez mais as tarefas educativas e administrativas devem ser entregues a leigos para que os padres assumam a sua missão específica. Números AE – Olhando para as estatísticas, observamos que os números no clero regular não baixaram tanto como no clero secular. Será que os jovens estão mais despertos para as actividades missionárias? CA – Essa análise é superficial. Qual é a razão da permanência desse número? A razão não se deve a mais ordenações porque não sabemos esse número. Deve-se ao regresso de muitos missionários e fez com que o número se mantivesse semelhante. Por outro lado, nota-se que algumas congregações religiosas têm uma pastoral eficaz. Pela sua presença na universidade – dou o exemplo dos jesuítas que têm vocações com regularidade – e pela presença no mundo juvenil ou na estrutura familiar. A vivência em comunidade tem mais atracção. AE – Nos últimos dez anos, grande parte das dioceses portuguesas receberam novos bispos. Estas alterações trouxeram os resultados esperados? CA – Os tempos são difíceis. Não basta que haja uma mudança e, sobretudo, não basta que haja a mudança do pastor. É preciso a mudança de pastoral e ter coragem. As doze dioceses que mudaram de bispo não revelam um dinamismo pastoral inovador. Mudaram os pastores, mas não mudou a pastoral. AE – Aos pastores compete dar uma nova dinâmica. CA – Quando um bispo vai para uma diocese acolhe os dinamismos desse território eclesial, mas também deve construir um projecto com essa diocese. Nos últimos tempos, muitas delas realizaram sínodos diocesanos. Os sínodos levam uma diocese a repensar-se. Só que as mudanças culturais têm sido muito rápidas e o contexto político e social também tem sido adverso. Daquilo que se observa de fora não notamos experiências inovadoras de pastoral. Ainda temos uma perspectiva demasiado clerical e muita desconfiança dos leigos, em Portugal. AE – Na próxima visita «Ad Limina», os bispos residenciais levarão a Bento XVI os resultados do seu trabalho pastoral. Qual é o papel dos bispos auxiliares? CA – Os relatórios já foram enviados pelos bispos diocesanos. Agora vamos ouvir o que o Papa diz à Igreja Portuguesa depois de ler essas informações. A função principal dos bispos auxiliares é acompanhar. AE – Sendo apologista da pastoral da proximidade, não seria preferível a reorganização das dioceses em vez de bispos auxiliares? CA – Esse tema é recorrente. Acho que deveriam existir dioceses mais pequenas para haver essa relação com o bispo. No entanto, tem havido dificuldade no terreno para encontrar formas de executar esse desejo. Para reorganizar as dioceses é necessário coragem. Tudo o que exige alguma determinação e coragem esbarra porque as pessoas não querem enfrentar problemas pastorais. Por outro lado, Roma deseja que os bispos auxiliares sejam reduzidos ao mínimo. Igreja/Estado AE – Em 2004, Portugal assinou uma nova concordata com a Santa Sé. A assinatura não foi demasiado precipitada visto que, actualmente, estão a surgir algumas dificuldades na regulamentação de determinados pontos? CA – Não foi precipitada. A redacção de um ou outro artigo é que poderia ter sido mais cuidada. Com a nova Concordata criou-se uma nova mentalidade. A Concordata corresponde a uma nova perspectiva do papel da igreja na sociedade. Parece que não estávamos preparados para tal e não percebemos a perspectiva do II Concílio do Vaticano sobre as relações Igreja/Estado. Por outro lado, o momento actual coincide com um laicismo mais vivo que não compreende a dimensão religiosa na vida cultural e social do povo. O que falta é criar estruturas de negociação para que a Concordata seja regulamentada. Parece que se criou um certo vazio legal. A Concordata está em vigor mas terá que existir uma regulamentação como havia na antiga Concordata. Enquanto não há, alguns membros do Governo começam a tomar medidas soltas. AE – Depois de ler os relatórios, Bento XVI dará alguns algumas directivas aos bispos portugueses. Imagina o que ele dirá? CA – Se fosse eu a influenciar o discurso do Papa acho que haveria alguns tópicos importantes a sublinhar: a urgência da formação de adultos; os padres apostarem na sua missão específica; valorização da espiritualidade; necessidade de experiências provocantes da fé; nova configuração da presença da igreja na sociedade e a urgência da igreja não fechar os olhos aos problemas dos mais carenciados da sociedade.

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