Especificidade da Obra do Padre Américo gera problemas à Inspecção-Geral do Ministério da Segurança Social Uma auditoria realizada pela Segurança Social à Casa do Gaiato conclui que existem indícios de maus-tratos, psicológicos e físicos. O jornal Público revela na sua edição de hoje o relatório final da auditoria conduzida pela Inspecção-Geral do Ministério da Segurança Social, no qual se propõe a retirada das crianças da Obra do Padre Américo “com carácter de urgência”. No mesmo jornal, o Pe. Acílio Fernandes, director nacional da Obra da Rua, pede ao Ministério que “faça um estudo a comparar os resultados conseguidos pelas instituições do Estado e pela Casa do Gaiato”. Este responsável já rejeitou o cenário de clausura e contestou a auditoria à instituição argumentando que só realça “aspectos negativos”. No início deste mês, o legado do Padre Américo, fundador da Obra da Rua, foi o motivo de uma homenagem pública por parte do Presidente da República, Jorge Sampaio, e do Cardeal-Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo (ver notícias relacionadas). A ocasião foi a sessão de lançamento do livro “O Projecto Educativo do Padre Américo. O Ambiente na Educação do Rapaz”, editado pela Temas e Debates, que decorreu na Casa do Gaiato de Santo Antão do Tojal (Loures), a 5 de Novembro. Jorge Sampaio referiu-se à “memorável e arrojada intuição do Padre Américo”, destacando o “cariz igualitário e por isso democrático” das Casas do Gaiato. D. José Policarpo assinalou a “grande originalidade” da Obra da Rua, num momento “em que algumas sombras críticas pairam sobre a instituição”. Em 2003 a Obra da Rua foi distinguida pela Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados com o Prémio Bastonário Ângelo de Almeida Ribeiro. Já nessa altura, o Pe. Acílio Fernandes revelara à Agência ECCLESIA que “neste momento somos postos em causa pela Segurança Social”. Para o assessor da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade para assuntos sociais, Pe. José Maia, esta é uma questão “muito controversa”, embora lembre ao Ministério da Segurança Social que “tem muito com que se preocupar nas casas que o Estado tutela”. “A Casa do Gaiato privilegia alguns valores que lhe são típicos, no acompanhamento das crianças, mas o discurso dos seus dirigentes nunca pode dar a ideia de que essas crianças não têm acompanhamento técnico”, assinala. O Pe. Maia recorda à Agência ECCLESIA que na última assembleia plenária da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) esta assumiu uma posição clara, pedindo respeito pela “especificidade das instituições” eclesiais e manifestando o desejo de que os mecanismos de avaliação e inspecção “não funcionem a partir de modelos organizativos uniformes”. Projecto com validade A validade do projecto educativo do Padre Américo, quase 50 anos depois da sua morte, levou o Professor Ernesto Candeias Martins a abalançar-se sobre a obra e pensamento do fundador do “Gaiato”. “Os objectivos mantêm-se, independentemente das estruturas e da organização que cada instituição tem: fazer de cada rapaz um homem continua a estar presente” revelou à Agência ECCLESIA Ernesto Candeias Martins, autor do livro “O Projecto Educativo do Padre Américo. O Ambiente na Educação do Rapaz”. Nesta obra, Ernesto Candeias Martins procura mostrar a “estratégia de educação e formação” que o fundador do Gaiato idealizou. “O caso do Padre Américo é o de um plano educacional muito intuitivo, de fazer ao mesmo tempo que pensava e corrigia aquilo que era menos adaptado às exigências dos rapazes”, afirma. O legado do Padre Américo é uma referência para todos os que se dedicam à educação, mormente numa altura em que o trabalho com os jovens em risco está seriamente afectado depois do escândalo da pedofilia e a opinião pública tende a estigmatizar as Instituições de Solidariedade Social. “Este projecto é um projecto de transformação, mas em moldes diferentes de outros. O ambiente que existe nas Casas do Gaiato, com uma envolvência da natureza, e o convívio entre os rapazes de várias procedências dá resposta a pessoas que têm as mesmas necessidades e oferecem-lhes uma luz, que é um projecto de vida”, frisa Candeias Martins. “Os rapazes não são os mesmos da década de 40/50, há uma maior exigência, mas não se abdica dos fundamentos do Padre Américo”, assinala O especialista destaca a “liberdade responsável” e a “autogestão” que marca a Obra do Padre Américo. “As críticas que hoje apontamos a muitas destas instituições não nos devem fazer esquecer que para compreender o Gaiato é preciso é ir às obras e conhecê-las”, diz. Considerando o projecto como uma “grande inovação” no século XX, em Portugal, Candeias Martins escreve na sua obra sobre a “filosofia do comando” no Gaiato: “cada qual escolhe o seu chefe, aquele que julgam ser mais capaz de os orientar, e essa metodologia leva a que os rapazes vão, de forma assumida, disciplinado-se, em liberdade”. “Nas Casas do Gaiato, tudo é partilhado, cada um estabelece as suas metas e pode seguir o seu destino profissional, pessoal e social”, insiste. Casas do Gaiato As Casas do Gaiato nasceram da intuição e da necessidade sentida por Padre Américo Monteiro de Aguiar, visitador dos pobres e dos bairros degradados. A finalidade de cada Casa do Gaiato é acolher, educar e integrar na sociedade crianças e jovens que, por qualquer motivo, se viram privados de meio familiar normal. No dizer do fundador, P. Américo Monteiro de Aguiar, ” somos a família para os que não têm família”. A população média de cada Casa do Gaiato é de 150 rapazes distribuídos pelas diferentes idades desde o nascimento até cerca dos 25 anos. São Instituições totalmente particulares, sem financiamento estatal. As actividades de cada casa são sempre orientadas para a realização dos fins em vista proporcionando aquilo que é melhor para o desenvolvimento de cada rapaz: saúde, alimentação, estudos, formação profissional, emprego, férias, tempos livres e cultura. Há 5 casas em Portugal continental (Coimbra, Porto, Lisboa, Beire e Setúbal), 2 em Angola (Benguela e Malange) e 1 em Moçambique (Maputo). Princípios Os princípios pedagógicos assumidos pela Casa do Gaiato são os seguintes: 1. Regime de autogoverno: Os chefes são eleitos pela comunidade – obra de rapazes, para rapazes, pelos rapazes. 2. Liberdade e espontaneidade: ” Ninguém espere fazer homens de rapazes domados”. “Porta sempre aberta” 3. Responsabilidade: “Em nossas casas todos e cada um tem a sua responsabilidade” 4. Virtudes humanas: Solidariedade, generosidade, camaradagem, amor ao próximo “Os mais velhos cuidam dos mais novos” 5. Vida familiar: “Não somos asilo, nem reformatório, nem colónia penal. Não há nem nunca houve fardas ou uniformes. “A família é o modelo da Obra”. 6. Ligação à natureza 7. Formação religiosa Mais informações em casadogaiato.no.sapo.pt/ Notícias relacionadas • Memória do Padre Américo homenageada em Lisboa • Obra da Rua