Carta a um jovem presbítero

Jorge Teixeira da Cunha, Diocese do Porto

Faço parte de um conjunto de padres que já olham o entardecer da vida, tendo já passaram “o peso do dia e o seu calor”. Posso dizer, em nome da maioria, que muito folgamos com a tua chegada ao serviço presbiteral. Quando vemos que o fenómeno da vocação sacerdotal ainda vai dando frutos, no tempo incerto em que vivemos, muito felizes nos sentimos. Um dia, também nós fomos tocados pela centelha de divino que constitui a vocação e, no meio de dificuldades e dúvidas, aceitámos avançar. Por isso, sê bem-vindo. Esperamos que algum exemplo que deixamos possa ser-te útil para o caminho que agora começas e esperamos que seja longo e feliz.

Não quero dar-te conselhos. Mas hás-de consentir-me que te dê um breve testemunho, assente nas mais de quatro décadas de experiência de vida presbiteral. A nossa formação não foi melhor do que a tua. Tivemos talvez uma vantagem: como a nossa sociedade e a nossa Igreja viviam uma prodigiosa explosão de esperança, no último terço do século passado, foi-nos talvez mais fácil partir de baterias carregadas para a longa estiagem que se seguiu. Era o tempo que se seguiu ao Concílio Vaticano II e à revolução do 25 de Abril. Interiorizámos intensamente o gosto da vida sacerdotal, num tempo em que gostávamos mais de ser sacerdotes do que de parecê-lo. Mas não fiques a lamentar o tempo que te é dado viver. Os desafios de hoje são talvez maiores do que os do meu tempo. Na nossa juventude ficávamos extenuados para atender o povo de Deus que comparecia massivamente às nossas celebrações. Hoje tudo é diferente.

Tal como nós, terás de alimentar o teu sacerdócio numa empatia sem tréguas com o mistério pascal de Jesus. Sem essa experiência mística e orante, não é possível a perseverança. Repara que isso não se consegue num dia, nem num ano, nem em todo o tempo da formação que te foi proporcionado. É um longo exercício de escuta do rumor da vida, em ti e naqueles que contigo se cruzam. Espero que tenhas bons encontros, aqueles encontros que, se estiveres atento, te são proporcionados pela Providência que age misteriosamente pelos interstícios da espuma dos dias. Tens de ser um orante sem ser um rezador. Nunca me esqueço o que um antigo professor de teologia, que nem era grande coisa, mas me ensinou a diferente entre a oração e o psitacismo. Esta última palavra, pouco frequente, exprime uma disfunção psicológica que consiste na separação entre a mente e a linguagem. A oração começa tarde na vida, como testemunham os místicos. Mas é necessário não descuidar a manhã da vida, mesmo na secura da espera. Não esqueças que o afecto é a porta de entrada na condição de sujeito da vida divina e da vida humana que são a mesma vida. Por isso, não te deixes desligar da fonte que não deixa de correr.

Se um conselho te posso dar é que ligues o teu sacerdócio ao grupo dos 72 discípulos, de preferência ao grupo dos 12. Os 12 Apóstolos são evidentemente importantes como estrutura da missão da Igreja. Mas os 72, de que fala Lucas, são os missionários invisíveis e informais que assinalam a conquista da realidade, com o destino do sal. Mas é deles que o Cristo diz que são eficazes na precipitação de Satanás como um raio em céu sereno. Isso quer dizer que participam invisivelmente na criação e redenção. São esses que fundam um espírito sacerdotal como ele deve ser: uma causalidade só manifesta no efeito, um poder que só vem do coração e não do bastão.

Enfim, se ainda tens paciência, ainda te digo uma coisa mais. Espero que a tua segurança como sacerdote te venha de seres sentinela e não de seres cortesão. Sei que hoje vives um pouco inquieto quando ao modo de fundar o teu sacerdócio e a tua perseverança. Espero que não confies na placagem psicológica que tanto te pode vir da ala progressista como da conservadora. Não cedas ao impulso de apoucar a tua dignidade pela vulgaridade com que serves o povo de Deus nem de a tentar acrescentar pelos adereços, um pouco ridículos, de um passado que não foi nada do que parece. Com os olhos postos Naquele que é a cabeça da Igreja, nunca culpes o teu povo pela falta de fé e pela ausência na prática religiosa. Quanto mais sozinho estiveres na tua celebração mais te concentra na acção que realizas. Chora os teus pecados em vez de chorar os que julgas que são do povo que te é dado servir.

Aceita um abraço dos mais velhos que te saúdam fraternalmente.

(Os artigos de opinião publicados na secção ‘Opinião’ e ‘Rubricas’ do portal da Agência Ecclesia são da responsabilidade de quem os assina e vinculam apenas os seus autores.)

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