Carnaval: Cecília Reis Rosa veste fato dos «caretos» desde 1968, desafiando tradição masculina

Celebração de Trás-os-Montes sai às ruas de Podence, atraindo 65 mil pessoas a pequena localidade e juntando gerações 

Foto: Agência ECCLESIA

Lisboa, 04 mar 2025 (Ecclesia) – Cecília Reis Rosa veste o traje de careto desde 1968, numa tradição habitualmente atribuída aos homens mas que esta professora aposentada não deixa esquecer.

“A primeira vez que eu vesti o fato foi porque eu fui maltratada por um careto. Deixou-me as nádegas todas negras, apalpou-me. Na minha família não havia fatos de careto – a minha mãe dizia que eram a incarnação do diabo, mas o meu pai mandou-me vestir de careto para me defender”, conta Cecília Reis Rosa programa ECCLESIA.

Professora de ensino especial aposentada, recorda como “antigamente” os homens “eram loucos” e faziam de tudo para “chegar à dama amada”.

“Desde há muito tempo, é-lhes tudo permitido. Antigamente andavam pelos telhados, partiam portas, andavam aos pulos, ficavam cansados e iam para as adegas beber ou roubar chouriças, galos e galinhas para fazer tainadas, partiam tudo, mas era para chegarem à dama amada”, explica.

A tradição dos Caretos de Podence foi reconhecida em 2019 como Património Imaterial da Humanidade, pela UNESCO, e à aldeia de Trás-os-Montes chegam por estes dias cerca de 65 mil visitantes que reconfiguram um local habitado por 200 pessoas.

Egas Soares veste o traje de careto há cerca de 30 anos, atualmente um dos mais velhos do grupo que continua a tradição, e junta, na sua famílias diferentes gerações, uma vez que já se faz acompanhar pelo neto vestido de careço, com três anos.

“Vestir o fato é uma sensação muito linda, porque é uma adrenalina que uma pessoa sente. Só o estar a preparar o saco, estar a preparar as calças, as botas e os chocalhos, as campainhas, uma pessoa parece que esquece de tudo o que se passa à nossa volta. E depois é a força de vontade, porque há uma força suplementar que nos aparece e que conseguimos fazer-lhe ultrapassar tudo e mais alguma coisa”, explica.

A deslocação a Podence, localidade de Macedo de Cavaleiro, na diocese de Bragança-Miranda, conduz as pessoas que procuram “conhecer as tradições” e o “Carnaval genuíno de Portugal”.

Cecília Rosa Reis lamenta uma população envelhecida na aldeia e explica que hoje são os imigrantes que levam a tradição dos caretos além fronteiras.

Egas Soares aponta, em entrevista ao programa ECCLESIA (RTP2), a importância do reconhecimento mundial após a indicação da UNESCO, em 2019, facto que tem levado o grupo de caretos a viajar para dar a conhecer a tradição.

A Associação Grupo de Caretos de Podence desenvolve projetos culturais e educacionais para manter junto das novas gerações a tradição dos caretos.

O fato, feito de lã e com as cores da bandeira portuguesa – vermelho, verde e amarelo – é feito num tear e, explica Cecília, “um metro demora hora e meia a fazer”.

Foto Cristiano, Agência ECCLESIA/LC

Cristiano enverga um fato, cuja manta veio dos seus bisavós.

“A manta foi-me oferecida pela minha avó, veio dos meus bisavós. Mas eu não tinha idade ainda para usar. São mais crescido é que fiz o fato para continuar a servir e não estragar, antes alugava. Para mim é uma honra usar um fato que está na minha família há muitos anos”, conta.

O fato fica completo com os chocalhos que “antigamente andavam no pescoço das vacas, do gado, das vacas”.

“Os chocalhos e as correias estavam relacionadas com o poder económico do lavrador. Quanto mais campainhas o careto trouxesse e mais chocalhos, mais rico era o pai, o avô e o tio”, explica Cecília.

A Associação Grupo dos Caretos de Podence inaugurou esta segunda-feira um mural de homenagem ao Papa Francisco, em que aparece ladeado de dois caretos, num agradecimento pela audiência que o grupo teve em janeiro, no Vaticano, ocasião em que ofereçam “uma casaca de honra dos caretos”.

LS

Partilhar:
Scroll to Top