João Aguiar Campos
1. Talvez o romeno da esquina não se chame Lázaro. Talvez o anónimo ignorado na margem das nossas pressas de chegar ao templo tenha vindo de um outro local distante de Jerusalém; porventura numa jangada que o empurrou até à praia clandestina que lhe enterrou os sonhos. Talvez a cama daquele vão de acesso ao Multibanco seja de cartões saídos das lojas da moda de uma das ruas onde é moda estarem. Talvez…
Olho-os – o presumível Lázaro ou o anónimo – pensando-os de algures ou de nenhures; mas não ignorando que qualquer um deles representa milhares de outros que não vejo.
Como eu, outros caminhantes os olham. E tenho de admitir que, por vezes, mesmo olhando-os, faço o esforço de os não ver. Ao mesmo tempo, esforço-me por recusar intimamente o desassossego desta consciente cegueira, procurando neles uma razão que me inocente. “Alguns chegaram aqui por sua culpa”- declaro. Sim, porque alguém teve de pecar, tem sempre de pecar para explicar todos os modelos de pobrezas, paralisias ou cegueiras…
2. O que me custa a admitir é que não sejam “eles” os pecadores. O que me custa a admitir é que a sua pobreza e marginalidade tenham nascido da idolatria de uma sociedade centrada no poder e no dinheiro. E também me custa admitir que, como crente, deva considerar todas as situações de pobreza e injustiça como um dos maiores desafios que se nos colocam.
Ou não é verdade que também nós fomos ungidos pelo Espírito para anunciar a Boa Nova aos pobres, o que significa a obrigação de sermos discípulos que continuam a obra de Jesus entre os mais abandonados?
3. Bento XVI insistiu, nas suas encíclicas, no exercício da caridade como elemento constitutivo e fundamental da evangelização e da sua credibilidade. E no Compêndio da Doutrina Social da Igreja (1115) pode ler-se: “Hoje, mais do que nunca, a Palavra de Deus não poderá ser anunciada e ouvida senão na medida em que ela for acompanhada do testemunho do poder do Espírito Santo, que opera na ação dos cristãos ao serviço dos seus irmãos justamente nos pontos onde se joga a sua existência e o seu futuro”.
Olhando à nossa volta, com olhos de ver, cabe-nos confrontar a realidade social com o Evangelho, testemunhar a verdade sobre o homem e promover a sua identidade integral, e lutar por uma novação da vida pública centrada na verdade, na justiça, no amor e na liberdade.
O que não podemos é continuar a mudar de passeio e a tomar betaserc, prevenindo as tonturas das alterações repentinas. É que mesmo assim a pergunta não se cala: onde está o teu irmão?