Caridade com rostos concretos

Compromisso de serviço ao próximo torna-se realidade mesmo nas pequenas realidades, como uma prisão açoriana Há 34 anos atrás, com 10 anos, Fernanda Evangelho entrou, pela primeira vez, no Estabelecimento Prisional de Angra do Heroísmo, na Ilha Terceira (Açores). Acompanhada pelo pai, que ali fazia volun-tariado e carinhosamente continua a ser chamado de “avô” entre os reclusos. Fernanda passou a ser a “mãe” para muitos deles. Destinado a uma população de 35 reclusos, o estabelecimento prisional conta neste momento com 90. Quatro mulheres partilham uma área “mínima e horrível”. Os homens estão numa área maior divididos por RAVI – regime aberto voltado para o interior, ou RAVE – regime aberto voltado para exterior. É desta realidade que Fernanda Evangelho, apesar de ser um trabalho “muito exigente psicologicamente”, não se consegue desligar e nem explicar porquê. “Penso que eles precisam de mim e de carinho”, refere Fernanda Evangelho à Agência ECCLESIA, adiantando que tem um carinho especial por todos eles. “Acho que este trabalho é uma paixão que eu tenho”. Embora saiba o que eles fizeram, “não gosto de ouvir falarem mal deles”. Quando ouve as histórias dos reclusos, “percebo que falta muita coisa nas suas vidas, a maioria são jovens e não tiveram uma base familiar e por esse motivo estão ali”. Pensando na sua vida e na sua estrutura familiar, Fernanda diz que teve tudo e eles não tiveram nada. Uma vez por semana, esta voluntária ruma à prisão, por duas ou três horas. Às vezes acompanhada por três ou quatro voluntários, outras sozinha. “Quando entro no estabelecimento é-me indiferente se lido com assassinos ou ladrões. Eu vejo pessoas que precisam do meu carinho e apoio. Normalmente as pessoas não conseguem separar isto, e estão sempre a pensar no que eles fizeram”. Fernanda Evangelho regista que há um ano “tínhamos maior facilidade para nos movermos dentro da prisão”. O acompanhamento pela direcção do estabelecimento prisional não é fácil. “Varia muito entre os guardas”, afirma, percebendo inclusivamente que alguns preferiam que as visitas não acontecessem. “É mais difícil lidar com o exterior do que com a população interna das prisões”, assegura. As visitas são passadas principalmente na conversa. Os reclusos esperam as chegada das 15 horas porque sabem que Fernanda, acompanhada por mais alguém vai entrar nos muros da prisão. Fernanda destaca que, ao longo do tempo, os reclusos vão-se abrindo e “contando os seus problemas. Se no princípio começam com muitas mentiras, acabam sempre na verdade”, valoriza porque ” se estabelece uma relação de confiança, tanto que não sinto nenhuma barreira com eles”. Quando vêem Fernanda entrar, já se dirigem a ela com vontade de conversar. Como este ritual se repete há muitos anos, “eles vão passando palavra e sabem que há alguém que vai lá para os apoiar e estar com eles”. Uma vez por mês fazem uma festa de aniversário. “Um pequeno convívio com o pouco dinheiro que temos também, mas que significa muito para eles”. O relacionamento entre Fernanda e os reclusos salta para fora dos muros da prisão. Alguns que se encontram em RAVI, “vão muitas vezes a minha casa”. Fernanda tinha uma exploração agrícola e “alguns vinham ajudar-me”, explica. Quando saem em liberdade o contacto mantém-se e “muitas vezes vão a minha casa dizer que saíram”. A ligação nunca se perde porque se criam laços de amizade profunda.

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