Cardeal António Ribeiro, 10 anos depois

Após prolongado sofrimento, no dia 24 de Março de 1998, falecia em Lisboa o 15.º Patriarca da capital portuguesa A morte do Cardeal António Ribeiro “veio roubar à Igreja em Portugal uma das suas figuras mais carismáticas nestas três últimas décadas do século XX” – escreveu o Pe. A. Jesus Ramos, director do Correio de Coimbra, a 26 de Março de 1998, naquele jornal diocesano. A notícia era esperada há tempos, mas nem por isso deixou de ser triste e surpreendente. Após prolongado sofrimento, no dia 24 de Março de 1998, faleceu, em Lisboa, este homem nascido em S. Clemente de Basto, na diocese de Braga, a 21 de Maio de 1928. Depois de frequentar os seminários daquela diocese foi ordenado a 5 de Julho de 1953. O então arcebispo de Braga, D. António Bento Martins Júnior, mandou-o estudar para Roma onde se doutorou na Pontifícia Universidade Gregoriana com a tese «A Doutrina do Evo em S. Tomás de Aquino. Ensaio sobre a duração da alma separa». Na comunicação social Depois de uma séria formação humanística, filosófica e teológica, o doutor António Ribeiro cedo foi lançado para a ribalta da Comunicação Social. De 1959 a 1964 apresenta, aos sábados, na RTP, o programa «Encruzilhadas da Vida», em que debate temas de actualidade, frequentemente sugeridos pelos próprios telespectadores. Nos três anos seguintes (1964/67) é o rosto do programa, no mesmo canal televisivo, «Dia do Senhor». “Demonstrou as suas qualidades de comunicador, aliadas a um apurado sentido crítico e a uma rara capacidade de leitura cristã dos acontecimentos” – referiu o director daquele semanário de Coimbra. Para além de trabalhar na área da Comunicação Social, o futuro bispo auxiliar de Braga (eleito a 3 de Julho de 1967) foi assistente nacional e diocesano da Liga Universitária Católica e ainda das associações profissionais de médicos, farmacêuticos, juristas, engenheiros e professores. Nos três anos antes que antecederam a sua nomeação episcopal foi professor de Filosofia Social, Filosofia Moral e Psicologia Social e director do Instituto de Cultura Superior Católica. “Ninguém estranhou, deste modo, que o jovem sacerdote fosse chamado a assumir o múnus episcopal aos trinta e nove anos de idade. A Igreja escolhera-o para suceder, na diocese moçambicana da Beira, ao carismático D. Sebastião Soares de Resende. Era uma tarefa difícil, o que demonstra bem a confiança que a Santa Sé nele depositava. Só que Deus escreve direito por linhas tortas. A sua figura ao mesmo tempo aberta e tranquila, a serenidade da sua postura perante os problemas mais difíceis e a prudência firme das suas posições eram necessárias em Portugal num período que, naquele final dos anos sessenta, se adivinhava conturbado a diversos níveis” – redigiu o Pe. A. Jesus Ramos no «Correio de Coimbra» de 26 de Março de 1998. E acrescenta: “O regime de então, embora começando a dar sinais de alguma abertura, mesmo em matéria religiosa, não permitiu que o novo bispo fosse para Moçambique, sendo nomeado auxiliar de Braga, onde foi ordenado em Setembro de 1967. Cultura e verticalidade O actual bispo de Vila Real, D. Joaquim Gonçalves, foi colega de D. António Ribeiro no Seminário de Braga. “Como aluno principiante do Seminário de Braga, acompanhei-o já nos anos finais”. Após saber da morte deste escreveu no jornal «A Voz de Trás-os Montes» de 26 de Março de 1998 que “fosse no contacto pessoal, fosse nas festas da casa, festas de cultura ou de recreio, António Ribeiro era sempre uma coluna levantada”. Oriundo da montanha, via o mundo das alturas, “a partir de cima, e com perspectivas alongadas” – completou o bispo de Vila Real. Como via claro, às vezes parecia “demasiado discreto”, mas, na verdade, o que podia dizer “numa frase não gastava um discurso, se bastava uma palavra não completava a frase, e, se fosse suficiente o gesto, nem proferia palavras” – sublinhou D. Joaquim Gonçalves. Era um homem “solene como uma catedral e simples com os simples, como uma capela de aldeia” – completou. Colaborador próximo, durante 27 anos, de D. António Ribeiro, o actual Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, recordou, a 18 de Maio de 2001, em Celorico de Basto, que o seu antecessor era uma homem “inteligente e culto” que “guardou até ao fim o hábito de ler”. Na homenagem póstuma prestada pela Câmara Municipal de Celorico de Basto a D. António Ribeiro, o Patriarca de Lisboa realçou que “coisa rara na biblioteca de um eclesiástico, os seus livros estavas lidos e sublinhados”. O leque dos seus interesses de leitura era variado e aberto. Sobre “a mesa de cabeceira da clínica onde faleceu, espreitava, indiscreto e revelador, o livro de Manuel Alegre, «Nossa Senhora das Tempestades»” – confidenciou D. José Policarpo. Na sua biblioteca tinha uma colecção impressionante de livros sobre Lisboa, a sua história, arte e perfil cultural e sociológico. “Não sendo um lisboeta de origem, conheceu e amou como poucos, a cidade que serviu como bispo” – disse o actual Patriarca de Lisboa. D. António Ribeiro era especialmente dotado na reflexão teológica e pastoral das relações Igreja/mundo. Homem de “pensamento robusto” tinha um apurado sentido de Igreja e dos sinais dos tempos, “em sintonia com o II Concílio do Vaticano” – escreveu o bispo de Vila Real. Na Homilia da Missa Crismal de 12 de Abril 1979, D. António Ribeiro é bem explícito: “quando um padre começa a sequestrar algo ou alguém para si próprio, quando, sem motivo pastoral honesto, divide o seu tempo entre ministério e o exercício de uma profissão profana, quando resolve fazer-se em tudo igual aos outros homens, diz-nos então a experiência, diversas vezes repetida, que já entrou pelo caminho da infidelidade”. A fidelidade do sacerdote implica o esforço contínuo de “aperfeiçoamento pastoral. Obriga-nos a cultivar, como melhor pudermos, essa maravilhosa arte das artes, que é ser guia de almas”. Inteligência pastoral O aperfeiçoamento da arte pastoral exige “inserção no mundo e conhecimento vivo dos problemas e dificuldades dos homens” – disse nessa Quinta-Feira Santa. Construir Igreja era o lema. Nesta lógica de caminho de comunhão, D. António Ribeiro escreve – numa Carta aos Cristãos do Patriarcado, no Domingo de Pentecostes de 1980 – que “qualquer comunidade cristã menor (paróquia, instituto apostólico, obra ou movimento de apostolado) só pode ser Igreja, se estiver inserida na diocese e assumir aí a corresponsabilidade de um projecto plural comum e o encargo da missão específica própria”. Para que cresça a consciência de Igreja diocesana enraizada “no espírito do II Concílio do Vaticano”, D. António Ribeiro não poupou esforços. “Temos de apreciar melhor a notável tradição religiosa da nossa Igreja de Lisboa, bem como os muitos valores humanos e divinos que hoje a enobrecem. Temos de conhecer, mais de perto, as enormes carências de meios e estruturas pastorais, que não lhes permitem dar resposta pronta e eficaz às necessidades emergentes. Temos, sobretudo, de comprometer-nos comunitariamente nas tarefas da evangelização do nosso mundo urbano e rural” – refere a carta. «EX FIDE IN FIDEM» era a sua divisa episcopal. Tirada da Carta de S. Paulo aos Romanos exprime o firme propósito de ajudar o Povo de Deus a crescer na fé, em ordem a um cristianismo cada vez mais consciente e adulto. Passados dez anos sobre a sua morte, D. António Ribeiro ainda é recordado pelo seu grande amor à Igreja, pela sua fé apostólica, pela sua “abertura dialogante ao mundo, pela firmeza de princípios doutrinais e humanos, e pela serenidade e prudência demonstradas perante os acontecimentos” – afirmou o Pe. A. Jesus Ramos. Esta firmeza doutrinal condizia com um outro traço do seu carácter. “Era um tímido que revelava uma firmeza inabalável em certos momentos decisivos” – disse D. José Policarpo em Celorico de Basto. E estes surgiram, quer no interior da vida da Igreja, quer nas relações da Igreja com a sociedade. Neste contexto, o Patriarca de Lisboa exemplificou: “como aquela vez em que se apresentou na sede da DGS, na célebre António Maria Cardoso, a saber de um sacerdote jovem detido na Capela do Rato, só saindo de lá noite avançada trazendo-o na sua companhia”. Atento aos problemas da Igreja e da sociedade, D. António Ribeiro “não dava largas ao coração”, mas era incisivo e solidário nas suas atitudes. “Naquela noite, em tempos agitados de revolução, que acolheu no Patriarcado uma centenas de pessoas, para não serem esmagadas pela manifestação agressiva de uma multidão de cabeça perdida” – referiu D. José Policarpo. Confiança dos Papas Os talentos de D. António Ribeiro não renderam apenas em relação a Portugal e ao Patriarcado de Lisboa. O Papa Paulo VI nutria uma grande estima pelo Cardeal Ribeiro. Entre outras missões, confiou-lhe a “presidência do último Sínodo dos Bispos convocado por aquele Papa” – escreveu o director do «Correio de Coimbra». Se o Papa Paulo VI tinha uma enorme confiança no 15º Patriarca de Lisboa, João Paulo II também lhe confiou algumas tarefas. Nomeou-o seu enviado especial às comemorações do V Centenário da Evangelização de Angola e nas comemorações do V Centenário da ratificação do Tratado de Tordesilhas. No encerramento do VIII centenário do nascimento de Santo António, D. António Ribeiro anunciou que queria “intencionalmente encerrar aqui as comemorações, no cimo do Parque Eduardo VII, perto do terreno onde vai ser construída a nova basílica de Santo António”. E adianta: “Esperamos confiadamente que, dentro em breve, se torne possível dar início ao projecto”. Na homilia dessa celebração, 13 de Junho de 1996, D. António Ribeiro deixava algumas linhas mestras para o futuro templo. “Deverá ser um monumento simples, mas belo, digno do Santo que é padroeiro principal de Lisboa e secundário de Portugal”. Para a construção da Basílica, contava sobretudo com a generosidade do povo de Lisboa e dos portugueses em geral. “A devoção que todos consagram a Santo António vai permitir dar realidade efectiva ao sonho de muitos” – disse. Foi um sonho que D. António Ribeiro não viu nascer. Luís Filipe Santos

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