Canonização de Nuno Álvares é uma festa de Portugal

Cardeal José Saraiva Martins assegura a seriedade de todos os procedimentos do processo que conduziu no Vaticano O homem que conduziu o processo de Nuno de Santa Maria no Vaticano, Cardeal José Saraiva Martins, não esconde o seu sentimento de gratidão por ter podido encerrar o seu percurso à frente da Congregação para as Causas dos Santos deixando praticamente concluído todo o dossier que levará à canonização de mais um português. Em entrevista à ECCLESIA, o Cardeal fala numa “figura gigantesca” que nem sempre foi bem compreendida ao longo da história.

Ecclesia – O que faz de Nuno Álvares Pereira um Santo?
Cardeal José Saraiva Martins –
Essa pergunta vale para todos os outros Santos, a espiritualidade é a sua santidade. O Beato Nuno não é uma figura fora de moda, é actualíssima, por causa da mensagem que nos transmite.
É admirável na sua espiritualidade carmelita e no seu amor pelos pobres, o que é hoje muito actual. Nos últimos anos da sua vida, como se sabe, passava o tempo pelas ruas de Lisboa, a pedir esmola para os mais desfavorecidos, o que supõe um amor fantástico ao próximo. Hoje, quando se fala tanto em pobres, o exemplo do beato Nuno pode ser uma mensagem extremamente importante para a Igreja portuguesa, convidada a seguir o seu exemplo.
Por outro lado, tem uma espiritualidade profundamente mariana: antes e durante as batalhas, ajoelhava-se e rezava a Nossa Senhora. Isto é muito significativo, muito importante, era um militar e fazer isso supõe um grande acto de heroísmo.

Ecclesia – Que outras virtudes destacaria nesta figura?
JSM –
Acima de tudo, a sua humildade. Deixou tudo, absolutamente tudo, e fez-se carmelita para se dedicar à vida religiosa e aos pobres. Esta é uma virtude que praticou em grau heróico.

Ecclesia – A devoção ao Beato Nuno já teve uma expressão considerável…
JSM –
Já teve e eu acho que ainda tem, porque esta devoção está muito divulgada em Portugal, ele é um bocado como o São Genaro em Nápoles: para eles, aquele Santo protector é tudo.
Hoje, a devoção é muito viva entre o povo cristão, para os fiéis.

Ecclesia – Uma devoção muito mariana…
JSM –
Sim, como disse antes, fica visível nos pedidos de ajuda e protecção à Mãe de Deus antes das batalhas, uma expressão clara e evidente da devoção profunda e interior a Nossa Senhora.
Ele era um Santo do seu tempo e não devemos criticar certas devoções de então, porque pecaríamos com um anacronismo histórico. Temos de interpretar a história no contexto do passado. Seria um passado imperdoável ver com os olhos de hoje a história de ontem e isso vale também para o Beato Nuno, que viveu num tempo muito diferente do nosso. Contudo, a mensagem é a mesma e é validíssima.

Ecclesia – Na sua opinião, porque é que o processo esteve parado durante tanto tempo?
JSM –
Isso será alvo de um estudo que irei publicar, em que lanço um olhar sobre as várias fases do processo. A demora aconteceu, muitas vezes, por questões burocrática, outras vezes por não se ter compreendido a figura gigantesca do Beato Nuno.

Ecclesia – Não foi compreendido no Vaticano?
JSM –
Não tanto no Vaticano, mas fora do Vaticano. Para dar um exemplo, em 1942 o Beato Nuno poderia ter sido canonizado, o Papa Pio XII tinha a convicção de que seria bom canonizá-lo e declarou-se disposto a fazê-lo por via de um decreto, ou seja, sem cerimónia litúrgica na Praça de São Pedro. Esta proposta, contudo, não foi aceite e acabou por se ficar sem a canonização e sem a cerimónia.

Ecclesia – Não foi aceite por quem?
JSM –
A História é sempre complexa, seria muito longo explicar tudo aqui. Esteve em causa o compreender bem a história, o valor daquela figura e o significado da canonização.

Ecclesia – Hoje já ouvimos por aqui alguma contestação à canonização, até por causa do próprio milagre…
JSM –
Quem faz essas afirmações teria de prová-las. Respondo afirmando que a cura da senhora Guilhermina de Jesus foi examinada (no Vaticano, ndr) pelo grupo de médicos, profissionais reputados, catedráticos universitários, que olham para o caso apenas do ponto de vista científico. É a voz da ciência, nua e crua, os médicos da Congregação para as Causas dos Santos têm de agir como cientistas, chegámos mesmo a pedir pareceres a médicos agnósticos, nalguns casos. Se quem contesta o milagre quer ser mais do que os especialistas, então isso é outra coisa…

Ecclesia – Entende que hoje é possível conhecer melhor a figura para ultrapassar ambiguidades?
JSM –
Certamente, hoje temos meios de que os nossos antepassados não dispunham.

Ecclesia – Como sente que está a ser vivida a preparação da cerimónia?
JSM –
Com muito entusiasmo, pelo que pude observar, a começar pela família carmelita, que há muito tempo aspirava por este dia. Muitos portugueses irão a Roma e eu, como prefeito que levou ao fim este processo, sou a pessoa mais feliz do mundo.

Ecclesia – Sente que foi a cereja no cimo do bolo do trabalho que fez na Congregação?
JSM –
Não, no fundo foi o Beato Nuno quem fez outro milagre, para ser canonizado agora, porque nos últimos 3 meses da minha prefeitura fez-se o que se faz, muitas vezes, em muitos anos: o exame da cura por parte dos médicos, dos teólogos, dos Cardeais da Congregação e, finalmente, a aprovação do Papa numa audiência privada. Foram meses muito intensos. Eu achava que era importante deixar a prefeitura com tudo terminado.

Ecclesia – A canonização pode ser uma oportunidade para reavivar o catolicismo português?
JSM –
Eu acho que pode ser uma ocasião para rever certas posições de muitos crentes, para reavivar a fé, porque qualquer canonização é um momento importantíssimo para o país de origem do novo santo. É um erro pensar que só a Igreja está interessada nestes eventos, é também o Estado, todo o povo.

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Agência ECCLESIA

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