Caminhemos Juntos na Esperança: Apelo à Conversão no Contexto Atual

Padre Miguel Neto, Diocese do Algarve

Foto: Agência ECCLESIA/MC

A mensagem do Papa Francisco para a Quaresma de 2025, intitulada “Caminhemos juntos na esperança”, é um convite profundo e oportuno para refletirmos sobre o papel do cristão no mundo contemporâneo. O texto, que se insere no contexto do Jubileu, cujo lema é “Peregrinos de Esperança”, dialoga diretamente com as realidades atuais: crises humanitárias, desigualdades crescentes, o aumento da polarização política e social e os desafios ambientais que ameaçam o futuro da humanidade. Mais do que um apelo religioso, a mensagem do Papa é um grito de urgência para a conversão pessoal e comunitária, tendo como pilares o caminho, a sinodalidade e a esperança.

Francisco recorda o Êxodo bíblico, para nos fazer lembrar que somos todos peregrinos na vida. No entanto, num tempo marcado por fluxos migratórios sem precedentes, esta metáfora ganha uma dimensão muito concreta. Milhões de pessoas, fugindo de guerras, perseguições, fome e mudanças climáticas, caminham, literalmente, em busca de uma nova terra prometida. Entretanto, o mundo reage com apatia, ou pior, com hostilidade.

O apelo do Pontífice à conversão convida-nos a sair da nossa “zona de conforto” e a confrontarmo-nos com a realidade dos migrantes e refugiados. É impossível ignorar que, enquanto alguns constroem muros e alimentam discursos de exclusão, a dignidade humana é comprometida em campos de refugiados superlotados ou em travessias marítimas mortais. A Quaresma, nesse sentido, é chamada a ser um tempo de desinstalação, de olhar para o outro como irmão e de agir com solidariedade (como tem dito o Papa, como um bom samaritano). Será que estamos dispostos a caminhar ao lado dos que mais sofrem?

Num mundo cada vez mais dividido, o Papa Francisco insiste na ideia de caminharmos juntos. O termo “sinodalidade”, que tem marcado o seu pontificado, refere-se à vocação da Igreja para ser uma comunidade inclusiva, onde todos possam participar e ser ouvidos. Este conceito desafia não apenas a Igreja, mas também a sociedade secular, que frequentemente promove o individualismo e a competição desenfreada.

Este chamamento à sinodalidade é particularmente relevante, quando vemos as relações humanas tão fragilizadas. A polarização política, a disseminação de discursos de ódio nas redes sociais e a cultura do cancelamento refletem uma sociedade incapaz de dialogar e de caminhar unida. A mensagem do Papa é clara: não podemos avançar, se deixarmos alguém para trás. A verdadeira conversão exige humildade para ouvir, paciência para construir pontes e coragem para abandonar a autorreferencialidade.

Por fim, o Francisco aborda a esperança como o horizonte desta caminhada quaresmal. Em tempos de incerteza global, quando guerras persistem (como o conflito na Ucrânia), pandemias deixam cicatrizes profundas e a crise climática avança sem tréguas, a esperança é um ato de resistência. O Santo Padre recorda que a esperança cristã não é um otimismo ingênuo, mas uma confiança inabalável na promessa de Deus, que nos chama à vida eterna.

Neste contexto, podemos perguntar-nos: como viver concretamente esta esperança? A mensagem sugere um compromisso com a justiça, a fraternidade e o cuidado da casa comum, em linha com a encíclica Laudato Si’. A crise climática, que já afeta milhões de pessoas em regiões vulneráveis, exige uma resposta urgente e coletiva. Contudo, a ganância e a indiferença continuam a prevalecer sobre o bem comum. A Quaresma é, portanto, um tempo propício para nos questionarmos: estamos a viver de forma a garantir que ninguém seja deixado para trás? Ou estamos a contribuir para o agravamento das desigualdades?

O texto é profundamente atual e o caminho para abandonar este rumo no qual segue o mundo é o da conversão e da solidariedade. Somos desafiados a caminhar como peregrinos comprometidos, a construir uma sociedade onde, verdadeiramente, possamos ancorar a nossa vida na esperança cristã.

Francisco interpela, não apenas os cristãos, cara um que deseje um mundo mais justo e fraterno, recordando-nos que a Quaresma não é apenas um tempo de penitência individual, mas uma oportunidade de transformação comunitária. Que esta mensagem nos inspire a sermos agentes de mudança, capazes de caminhar juntos, com esperança, rumo a um futuro onde a dignidade de cada pessoa seja respeitada e promovida.

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