Cada vida humana é um projecto único de amor

Catequese Quaresmal do Bispo da Guarda Estamos a poucos dias da Páscoa. Daqui até lá, somos convidados a não desviar a nossa atenção do mesmo ponto de mira que é a Paixão e Morte na Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ao meditar no mistério da Cruz Redentora de Nosso Senhor Jesus Cristo, temos como ponto de partida, na nossa experiência humana, também o mistério da dor, do sofrimento e da morte. Sentimo-nos chamados para a vida, mas confrontamo-nos com a realidade da morte; temos um desejo profundo de felicidade, mas confrontamo-nos, todos os dias, com a realidade da dor e do sofrimento que, aparentemente, é a sua negação. Porquê este conflito existencial entre o desejo de viver e a realidade inevitável da morte? Entre o desejo da felicidade e o facto inquietante do sofrimento e da dor? Vivemos com uma cultura que não sabe lidar com a morte e, por isso, teima em escondê-la o mais possível; não entende o sofrimento e a dor, e, por isso, desenvolve técnicas de combate à dor, o que é saudável, mas, em última análise, não sabe o que fazer, quando o sofrimento e a dor são tecnicamente insuportáveis. Por isso, lhe vem a tentação de antecipar a morte, com a prática da eutanásia, que certas legislações têm mesmo a tentação de aceitar como aceitável e recomendável. O que está em causa, em todas estas situações de relação difícil com a morte e com a dor ou o sofrimento, é sempre fazer a escolha de fundo entre a vida e a morte. O mistério da Cruz redentora de Nosso Senhor Jesus Cristo é a escolha decisiva da vida contra todas as formas de morte; é a dignificação da pessoa que sofre, a quem não se pode tirar a dor, porque apesar do seu sofrimento, apesar do peso tremendo da sua dor, é sempre uma pessoa viva e capaz de acrescentar o sentido positivo da vida em si mesma e nos outros. Portanto, juntamente com o mistério da Cruz de Cristo, somos hoje chamados a contemplar o mistério da vida, em todos e cada um de nós. A vida é, de facto, o dom mais sublime que foi e continua a ser oferecido a todos e cada um de nós; é o primeiro responsável pela sua própria vida e, por isso, tem de responder à pergunta fundamental: “Que quero fazer com a vida que me foi dada?” Mas é também responsável pela vida dos outros, na medida em que é chamado a respeitá-la e a criar-lhe todas as condições, quanto de si depende, para que ela cresça e se desenvolva. A Palavra de Deus, hoje, apresenta-nos o modo como Jesus viveu a sua vida, fazendo dela uma entrega generosa para salvação da humanidade. Ele viveu, passou a vida a distribuir bem, à sua volta, e, mesmo quando encontrou resistências ao bem que queria realizar a todas as pessoas, não desistiu. Ao fazer a opção radical pela justiça, pelo amor, pelo bem, aceitando contrariar as forças contrárias da injustiça, do desamor e do mal, sem querer usar as armas da injustiça, sabia que Se sujeitava à morte. E foi o que aconteceu: tiraram-Lhe a vida; mas, de facto, foi Ele que deu a sua vida para inaugurar uma ordem nova. É nessa ordem nova que se baseia a nossa condição de baptizados e também a nossa responsabilidade de fazer com que o nosso mundo percorra os caminhos da vida. O Evangelho de hoje diz-nos o que é a vida levada a sério. A vida vivida a sério não pode ser um jogo de interesses em que cada um pensa somente em si mesmo e esquece os outros. A cultura do amor e do serviço é a única que dá verdadeiro sentido à vida. Daí a mensagem do Evangelho de hoje. “Quem quiser ganhar a sua vida há-de perdê-la; mas quem despreza a sua vida, neste mundo, há-de conservá-la para a vida eterna”. A vida vale pela força de relação e compromisso que ele próprio contém. Por isso, o Profeta Jeremias nos fala hoje da nova aliança, diga-se, de relação e compromisso de cada ser humano com Deus, para levar à prática o seu projecto pessoal de vida. A única coisa que interessa a todo o ser humano é identificar bem qual é o seu projecto pessoal de vida, em absoluta liberdade, até às últimas consequências. Cada vida humana é, de facto, um projecto único de amor e de bem que não pode ser interrompido por ninguém, desde o primeiro momento da sua existência até à última etapa da sua realização na história. Provavelmente seremos, em breve, confrontados com tentativas de legislar sobre o aborto e sobre a reprodução medicamente assistida, incluindo a possibilidade de utilizar embriões humanos para fins terapêuticos ou simplesmente de investigação científica. Nas decisões a tomar, temos de ser sérios e nunca aceitar o princípio de que os fins justificam os meios. A vida humana, em fase nenhuma do seu desenvolvimento, pode ser manipulada. Que Deus nos ajude a assumir as nossas responsabilidades.

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