Quaresma no mundo: Trocar o feijão e arroz de Belo Horizonte pelo Compasso em Braga

Nova Lima, cidade dormitório a cerca de 20 quilómetros da grande Belo Horizonte, no estado de Minas Gerais, no Brasil, cidade que não tem praia e onde as montanhas são o mar dos mineiros.

“Nova Lima desenvolveu-se à volta de uma mineradora que empregava os homens da cidade na extração de ouro e ferro persistindo ainda hoje a extração do minério de ferro”, apresenta o padre Jorge Benfica, sacerdote religioso da Comunidade Shalom, a sua cidade natal.

A geografia marca também a vida do ser mineiro com as favelas a preencherem as encostas.

Nascido tímido numa família grande católica, entre nove irmãos, foi na paróquia de Nova Lima que Jorge Benfica ganhou consciência do que é ser Igreja, também com a espiritualidade própria do tempo quaresmal a interpelar para uma participação social mais consistente.

A realidade social brasileira não deixa os jovens indiferentes.

“Seja um jovem das favelas ou um que vive nas cidades, partilham os mesmos dramas, os problemas e alegrias. No contacto entre os dois mundos cria-se uma empatia”, reforça o religioso, e nem a diversidade religiosa, entre espiritas, evangélicos e católicos, é impedimento para uma ação social conjunta.

“Há alguns grupos que são mais radicais mas a consciência social une as pessoas. A religiosidade dá sentido à intervenção social”.

 

«Na época das chuvas é uma tristeza porque as pessoas constroem em condições menos boas e com deslizamentos de terras há tragédias todos os anos. A ineficiência dos governos acaba por empurrar as pessoas para estas condições que, inevitavelmente, criam barreiras. Vai-se assistindo também à solidariedade das pessoas nestes contextos».

 

«O povo brasileiro, desde a sua génese, sofre e tem de trabalhar muito para sobreviver. Nessa luta diária é possível perceber que é um povo feliz e faz festa, apesar das dificuldades».

«Se as procissões passam pela porta de um bar aberto, ou uma casa em festa, as pessoas desligam o som, param, vêm à porta e fazem silêncio. Alguns fazem o sinal da cruz, é bonito ver. Depois de a procissão passar, continuam num tom mais sóbrio».

Oração, jejum e esmola num português açucarado

No Brasil vive-se intensamente o Carnaval e depois a Quaresma.

“Costuma-se dizer que o ano começa depois do Carnaval. Em Minas Gerais vive-se intensamente a Quaresma e a Semana Santa, em especial, que as pessoas respeitam muito”.

A religiosidade tradicional mineira é muito parecida com a portuguesa, indica o padre Jorge, que ali regressa quando participa nas celebrações da Semana santa em Braga.

“Quando vou a Braga e participo das celebrações é como se estivesse outra vez em Minas, noto isso em especial nas procissões de sexta-feira santa”, recorda.

Muitas cidades históricas de Minas Gerais estão ligadas à história portuguesa: Ouro Preto, Mariana, São João Del Rey, locais onde o turismo religioso atrai ajudando a manter vivas as tradições.

 

«São feitos tapetes com flores ou de raspas de madeira, as casas são enfeitadas e as pessoas estão centradas nas celebrações. Tal como acontece em Braga, com a cidade pintada de roxo, as músicas mais sóbrias, procissões nas ruas, celebrações fortes do Tríduo pascal, dias marcados pelo silêncio e recolhimento. Mesmo quem é evangélico ou não professa qualquer religião, respeita a tradição porque é algo que lhe vem dos pais e avós».

O Santuário de Nossa Senhora da Piedade, que recentemente foi reconhecido como basílica, é um local de peregrinação e por si só, convida a subir ao monte de onde se avista Caité, Nova Lima e Belo Horizonte, numa visão de 360 graus.

“São cerca de seis quilómetros a subir e muitos fazem a Via-sacra neste percurso, sobem a cantar e a rezar o terço. É bonito de ver. E isso acontece ao longo do ano”.

A paróquia em Nova Lima, o grupo de jovens ao qual o padre Jorge pertencia começava cedo na preparação das celebrações deste tempo.

Desde cedo o padre Jorge percebeu o sentido da oração, do jejum e da esmola, enquanto atitudes que “despertam a sensibilidade”.

“A oração traz a comunhão e a intimidade com Deus e a partir dessa relação ilumina todas as nossas relações”, indica.

Hoje, recorda, assiste-se a uma grande disparidade em Nova Lima: pessoas muito ricas mais afastadas do centro e o centro da cidade onde permanecem os mais pobres, com os dois mundos a não se tocarem.

“Uma coisa que aprendi com a minha mãe é a partilha”, recorda o sacerdote, que não esquece os ensinamentos familiares.

“Éramos muitos e muito pobres e às vezes tínhamos o mínimo para nos alimentarmos. Houve uma altura complicada, mas graças a Deus nunca faltou para comer. A minha mãe dizia sempre «nunca deixes de partilhar, mesmo do pouco que tens, o pouco que tens torna-se muito. Há um ditado no Brasil que diz «O pouco com Deus é muito», e é bem verdade”.

 

«Havia sempre alguém a passar à porta e a pedir alguma coisa: uma esmola, um pouco de arroz ou feijão. Houve uma situação em que a minha mãe só tinha arroz para comermos e passou uma senhora que pediu alguma coisa para ajudar. A minha mãe disse que só tinha arroz e a senhora respondeu que tinha muito feijão e propôs trocarem. E a pessoa que foi pedir esmola deu feijão à minha mãe que lhe deu um pouco de arroz».

 

Ser padre para responder à dúvida dos jovens

O Movimento encontros de Jovens Shalom (MEJS) entrou na vida do jovem Jorge Benfica em 1999, em contacto com jovens da sua paróquia.

Marcou-o a “vivência oferecida aos jovens de Igreja e de pessoa”.

“Cria um ambiente de à vontade entre os jovens, cria laços de amizade e dá a tónica do ser Igreja, de aprofundar a relação com Deus. É um trabalho humano e espiritual”, explica.

O processo de evangelização é feito pelos jovens, “de jovem para jovem”, enfatiza, sublinhando a “linguagem parecida” e o crescimento “conjunto”.

O MEJS nasceu no pós Concílio Vaticano II, em 1967 e, desde o seu início é marcado pelo protagonismo dado aos leigos, pela intervenção social, pelo voluntariado, pela solidariedade.

O padre Jorge elege a dúvida dos jovens como o fator determinante para consagrar a sua vida a trabalhar como sacerdote numa comunidade dedicada à evangelização da juventude.

Quando em 2012 chegou a Portugal, o padre Jorge Benfica confrontou-se com a “burocracia” dos portugueses.

“O povo brasileiro tem um sentido prático mais vincado, em Portugal somos mais burocráticos, mais teóricos, e só depois vem a ação”.

Seis anos depois de aterrar em Lisboa, o padre Jorge assume a sua felicidade por crescer entre portugueses.

“Aqui o contacto com as pessoas traz-me lembranças muito felizes. Aprendi a celebrar, a aproximar-me das pessoas, a deixar as pessoas entrar na minha vida e eu entrar na vida das pessoas”.

A experiência do Compasso, no domingo de Páscoa, que costuma fazer em Vieira do Minho, é disso sintoma: “Às vezes há alguém doente em casa, entramos e aproximamo-nos. Entramos na vida das pessoas, de coração para coração, entramos no íntimo e eu fico sempre de coração cheio, muito cansado mas com o coração muito feliz”.

LS

“Onde os jovens estão no mundo do trabalho, na universidade, na escola, o leigo deve ser um sujeito nestes campos. O leigo chega onde o padre não chega, ao mundo da política, das artes, da cultura… é nesses palcos que o jovem é necessário e incentivado a participar”.

 

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