Bispos portugueses traçam itinerário quaresmal

Haiti é o principal destino escolhido para o gesto de partilha a que os católicos são convidados

Os Bispos das várias Dioceses do nosso país apresentam por estes dias as suas mensagens para a Quaresma, procurando traçar um itinerário de vida, atento às circunstâncias da Igreja e da sociedade.

D. José Policarpo escreve, por exemplo, que para se conseguir uma “verdadeira justiça” não “basta mudar as leis, corrigir desequilíbrios sociais”. Num texto que retoma o tema escolhido pelo Papa para este tempo de preparação para a Páscoa, o Cardeal-Patriarca coloca a “grande causa das injustiças da sociedade” no “coração dos homens”.

Segundo D. José Policarpo, “a presença dos cristãos na sociedade, a agirem e a reagirem à realidade com as exigências da justiça é elemento decisivo para a transformação da sociedade na linha do Reino de Deus”.

Já D. Jorge Ortiga, Arcebispo de Braga e presidente da Conferência Episcopal, indica que o tempo de preparação para a Páscoa deve ajudar a construir “um mundo onde cada um tenha o que é ‘seu’, acabando com injustiças escandalosas”. “Para entender esta dinâmica, importa abrir-se a tempos fortes de acolhimento da Palavra para que esta desmonte as nossas estruturas egoístas e nos projecte na responsabilidade duma sociedade mais justa”, acrescenta.

O Bispo de Beja, D. António Vitalino, afirmou que “vivemos num tempo de barulho, de palavreado, de demagogia, de processos infindáveis, em que os sofismas das palavras procuram escamotear e ocultar os factos, criando realidades virtuais contra as vítimas reais”. Para este responsável, “precisamos de escutar os outros, sobretudo as vítimas, os que sofrem, as crianças e mães maltratadas, os pais de família desempregados, as vítimas do tráfico laboral, sexual e de órgãos”.

D. Ilídio Leandro, Bispo de Viseu, convidou os fiéis da sua Diocese a deixar-se “tocar pelos mais pobres” durante a Quaresma, lembrando os que “vivem abaixo do mínimo de dignidade, justa e necessária, a todo o ser humano”. O prelado recorda também os que, por qualquer razão, “são vítimas de uma tragédia natural ou da acção violenta e injusta de outros”, bem como “os que mendigam condições mínimas de sobrevivência – alimento, habitação, trabalho, acesso à saúde, à educação ou à justiça”.

A mensagem do Bispo das Forças Armadas e de Segurança aponta o dedo a “problemas da maior gravidade do ponto de vista económico-social” no nosso mundo “nacional e internacional”. “Coincidente com a Caminhada da Quaresma, o drama do Haiti, a decisão de se instituir o ano de 2010 como Ano Europeu de combate à pobreza e à exclusão social e as dificuldades no âmbito do desemprego em Portugal, são apelos em ordem a minorar privações e dramas, não desconhecendo que um grande número de pessoas sofredoras se escondem na vergonha de nada possuírem”, indica D. Januário Torgal Ferreira.

D. Gilberto Reis, Bispo de Setúbal, considera que a Quaresma de 2010, Ano Europeu de luta contra a pobreza e a exclusão social, deve ser marcada pelo “desejo de contribuir para uma sociedade mais justa”.

O Arcebispo de Évora, D. José Alves, indica que “aqueles e aquelas que acolheram no coração a mensagem evangélica e a tomam como norma de vida, estão cientes da necessidade da conversão e reconhecem na partilha dos dons recebidos da mão de Deus um meio eficaz para a alcançar”. “Na verdade, a partilha dos bens é uma forma privilegiada de exprimir o amor ao próximo, que é a essência do cristianismo”, precisa.

D. Manuel Clemente, Bispo do Porto, divulgou através do YouTube a sua mensagem de Quaresma, indicando que este tempo tem uma “motivação acrescida pelas próprias circunstâncias da Igreja e do mundo”, onde tantos homens e mulheres “vivem e lutam”.

Com o Haiti no coração

Nos vários destinos escolhidos para a partilha a que os Bispos convidam os seus fiéis, destaca-se este ano a preocupação com a população haitiana. Até ao momento, são já oito as Dioceses que decidiram enviar parte ou mesmo a totalidade das renúncias quaresmais para este país: Algarve, Beja, Braga, Lamego, Leiria-Fátima, Santarém, Viana e Viseu.

D. António Vitalino recorda o sismo de 12 de Janeiro, “que vitimou centenas de milhares de pessoas ou deixou muitas em grandes sofrimentos e penúrias”. “Felizmente, muitos procuram socorrer aqueles que sofrem, não os deixando sozinhos, entregues a si mesmos, sem a companhia de quem chore com eles, clame por soluções e as procure”, assinala.

O Bispo de Santarém, D. Manuel Pelino, precisa que “este ano vamos destinar a nossa partilha à reconstrução do Haiti, através do Instituto Missionário dos Monfortinos que foi duramente atingido pela tragédia do terramoto na relevante obra social e religiosa que tem a seu cargo nesse país.”

O Patriarca de Lisboa adianta que o contributo dos fiéis permitirá ao “Fundo Diocesano de Ajuda Inter-Eclesial” responder aos “imensos pedidos de ajuda material vindos de Igrejas irmãs”, acrescentando: “Para além do ofertório específico que já foi feito para os irmãos do Haiti, o Patriarcado continuará atento à necessária ajuda à Igreja local, no exigente período de reconstrução e da criação de condições para o exercício da sua missão”.

Na sua mensagem para a Quaresma, D. Jorge Ortiga indica que “a tragédia do Haiti não desapareceu. As suas marcas de destruição persistem nas pessoas que necessitam de um acompanhamento mais fraterno e de condições para recomeçar a viver com dignidade”.

A renúncia quaresmal é uma prática habitual na Igreja Católica durante o período que serve de preparação para a Páscoa. Os fiéis são chamados a abdicar de alguns dos seus bens em favor das populações mais desfavorecidas e a entregar esse montante à sua Diocese, que o encaminha para um projecto à sua escolha.

Neste momento, por outro lado, a Campanha “Cáritas Ajuda Haiti” contabiliza donativos no valor de 1.006.938,57  de Euros, a aplicar nas acções de emergência e reconstrução a favor das vítimas do sismo.

Numa entrevista à Ajuda à Igreja que Sofre, D. Louis Kébreau, presidente da Conferência Episcopal do Haiti e Arcebispo de Cap-Hatien disse: “Não consigo suster as lágrimas quando penso no funeral” dos seminaristas que faleceram. “Nem sequer lhes conseguimos arranjar um caixão, apenas um pobre saco de plástico”, assinalou, assegurando que se sente “completamente impotente” nesta situação.

O presidente da Conferência Episcopal diz que se sente particularmente responsável pela saúde e o bem-estar físico e espiritual dos seminaristas. “Ainda tremo por dentro quando penso que tive de autorizar a amputação de uma perna de um deles e de um braço de outro”, lembra.

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