Bispo emérito do Funchal comenta Exortação Apostólica de Bento XVI

O Papa Bento XVI escolheu para título da Exortação Apostólica uma expressão de São Tomás de Aquino que definia o Mistério Eucarístico como Sacramento da Caridade. Desta maneira, neste Sacramento o Papa insiste sobre a verdade do amor, como fizera na sua Encíclica «Deus caritas est», um dos temas em que se joga o futuro da Igreja e da humanidade. O amor de Cristo, na Eucaristia, continua a entusiasmar-nos hoje, como na quinta feira santa, quando o Mestre lavou os pés aos discípulos. Esta Exortação Sinodal recolhe as reflexões da Assembleia do Sínodo dos Bispos de Outubro de 2005, em Roma, mas abre caminhos a novos horizontes, de forma «a despertar na Igreja novo impulso e fervor eucarístico» (nº 5). 1 – A Exortação está estruturada em três partes, aprofundando as três dimensões da Eucaristia: mistério acreditado, mistério celebrado e mistério vivido. O documento afirma a centralidade da acção litúrgica na vida da Igreja, de maneira a favorecer um aprofundamento da reforma litúrgica e renovamento da celebração na vida cristã. A «arte de celebrar» rectamente é a melhor condição para a «participação activa», que «resulta da fiel observância às normas litúrgicas na sua integridade, pois é precisamente este modo de celebrar que, há dois mil anos, garante a vida de fé de todos os crentes…» (nº 38). A Exortação Apostólica oferece umas cinquenta propostas práticas de carácter litúrgico-pastoral. 2 – A eucaristia, a partir da sua origem trinitária tem um carácter de dom absolutamente gratuito que a Igreja acolhe, celebra e adora com fiel obediência. A adoração eucarística é o «prolongamento visível da celebração eucarística, a qual, em si mesma, é o maior acto de adoração da Igreja» (nº 66). A Eucaristia é por excelência um «mistério da fé». «A fé da Igreja é essencialmente uma fé eucarística e alimenta-se, de modo particular, à mesa da eucaristia». Nela, «Jesus não dá alguma coisa, mas dá-se a si mesmo» (nº 7). Em relação ao ecumenismo, a Exortação estabelece um forte vínculo de unidade entre a Igreja Católica e as Igrejas Ortodoxas que conservam a natureza do mistério da eucaristia» e, em relação às comunidades protestantes, pode tornar-se um elemento privilegiado no diálogo com as comunidades da Reforma (nº 15). O documento confirma a prática da Igreja, fundada na Bíblia, de não admitir a este sacramento os divorciados re-casados, porque o seu estado de vida contradiz aquela união de amor entre Cristo e a Igreja que é significada e realizada na Eucaristia (nº 29). Nos casos de dúvida, o cristão deve recorrer aos Tribunais Eclesiásticos para uma «actividade correcta e pressurosa» ( nº 29). 3 – A segunda parte oferece sugestões pastorais de grande interesse. O texto sublinha a beleza intrínseca da liturgia, pois nela brilha o mistério pascal que, segundo São Boaventura, nela «contemplamos a beleza e o esplendor das origens». De grande beleza e profundidade são os números dedicados ao culto espiritual e à forma eucarística da existência cristã, pois na base da acção eucarística, cada circunstância da nossa existência, torna-se, de alguma forma, sacramental. No testemunho dos mártires encontra-se o ponto mais alto do culto espiritual agradável a Deus, neles a Eucaristia mostra todo o fulgor da sua verdade. Para favorecer uma participação mais activa, a Exortação valoriza alguns aspectos particulares: o uso dos meios de comunicação social, a atenção aos enfermos e doentes, aos presos e migrantes, às grandes celebrações e aos pequenos grupos; propõe um recurso à língua latina, principalmente nas celebrações internacionais, sem transcurar também o canto gregoriano. Na terceira parte, o repartir do pão, mostra a capacidade do mistério eucarístico constituir o horizonte último e definitivo da existência cristã. «A eucaristia impele todo o que acredita n’Ele a fazer-se pão repartido para os outros e consequentemente a empenhar-se para um mundo mais justo e fraterno» (nº 88). São muito fortes as expressões da Exortação relativas às situações de injustiça social, violência, guerra, terrorismo, corrupção, exploração e indigência do homem (nºs 89 e 90). A Igreja que vive da Eucaristia, principalmente através da responsabilidade dos seus leigos, deve estar presente na história e na sociedade em favor de cada homem, em particular daqueles que por causa da injustiça e do egoísmo de tantos, sofre a indigência, a fome, e situações endémicas de doenças porque não têm acesso aos recursos mais elementares de alimentação e saúde. Considerando a fé eucarística, o nexo entre eucaristia e mundo não é facultativo. Ao recomendar a leitura e meditação da Exortação apostólica Sacramento da Caridade, recordo o ensino do Papa Bento XVI que, na autenticidade da fé e do culto eucarístico, se encontra o segredo de um renovamento da vida cristã capaz de regenerar o Povo de Deus. Funchal, 25 de Março de 2007 † Teodoro de Faria

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