Portugal sempre dedicou uma devoção muito particular e profunda a Nossa Senhora da Conceição que, em Vila Viçosa, foi declarada sua Rainha. Em Braga, há cem anos, por ocasião das bodas de ouro da definição dogmática, foi erguido um santuário no Sameiro à Imaculada Conceição, cuja imagem foi coroada solenemente com uma coroa de ouro oferecida pelas mulheres portuguesas, incluindo a Rainha Dona Amélia. 1. Oito de Dezembro de 1854. Pelas seis horas da manhã abriu-se a porta da Basílica de São Pedro em Roma que ficou imediatamente repleta de fiéis. O Papa Pio IX, agora beatificado, com 85 anos de idade, ia proclamar o Dogma da Imaculada Conceição. Depois do cântico «Vinde Espírito Santo», o Papa leu com voz alta e solene, num tempo que ainda não conhecia o microfone, a solene definição dogmática: «Para honra da Santa e Indivisa Trindade, para glória e ornamento da Virgem Mãe de Deus, para o incremento da religião cristã, com a autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos santos Apóstolos Pedro e Paulo, e Nossa, declaramos, pronunciamos e definimos que a doutrina segundo a qual a Bem-aventurada Virgem Maria, no primeiro instante da sua conceição, foi por especial privilégio de Deus omnipotente, com vista dos méritos de Jesus Cristo Salvador do género humano, preservada imune de toda a mácula do pecado original, é doutrina revelada por Deus e deve por isso ser acreditada por todos os fiéis, firmemente e com constância». Das onze horas ao meio-dia, todos os sinos de Roma tocaram solenemente para celebrar um dia que no dizer de um teólogo «será recordado até ao fim dos séculos como um dos dias mais gloriosos que figura na história». Roma não apresentou um dia claro e luminoso, mas no momento em que o Papa proclamava o dogma, um raio de luz, entrando não sabemos por onde iluminou a face do Pontífice sulcada de lágrimas. Vários estudiosos afirmam que nenhum clarão podia iluminar a zona onde se encontrava o Papa. A definição do dogma suscitou um entusiasmo extraordinário no mundo católico, mostrando como a fé ainda fosse viva numa época tão agredida pelo racionalismo e naturalismo. Quatro anos depois, a 25 de Março de 1858, quando a pastorinha de Lourdes, Bernadette Soubirous perguntava à misteriosa Senhora que lhe aparecia na gruta: «quereis ter a bondade de dizer-me quem sois», sorrindo, inclinando a cabeça e alargando os braços para a terra, a Senhora disse: «Eu sou a Imaculada Conceição». Entusiasmo extraordinário no mundo católico 2 – Após a promulgação do dogma, aumentou a devoção à Mãe de Deus em todo o mundo cristão, com um entusiasmo que se pode comparar ao impulso que o Concílio de Éfeso provocou na Igreja, quando os padres conciliares declararam que a Maria, a mãe de Jesus, era a Theotokos, a Mãe de Deus. Numerosas templos, devoções, estátuas, organizações caritativas, surgiram em todo mundo em honra da Imaculada Conceição. Em Roma, na Praça de Espanha ergueu-se uma coluna com a estátua da Imaculada que foi benzida pelo Papa Pio IX a 8 de Setembro de 1857, e sae tornou o coração da cidade a 8 de Dezembro de todos os anos com a visita do Papa e do povo romano. Com a proclamação do dogma não se extinguiu a luta entre a «estirpe de Maria» e a «estirpe da serpente». A Maria Santíssima, foi reservada a luta para vencer o mal, os erros e as heresias que nascem e se difundem no mundo como consequência do pecado. A luta entre a serpente e a Virgem é total e permanente. Deus colocou inimizades entre os filhos e servos de Maria e os «ódios» secretos dos escravos do mal. Um dos mais atacados foi o Papa da Imaculada Conceição. Para além das lutas para unir a Itália, Pio IX teve de afrontar Bismark, que procurou destacar de Roma os católicos alemães e uni-los ao Reich, submetendo toda a vida da Igreja ao controlo do Estado. O Papa teve de denunciar os ódios e perseguições que sofria a Igreja em Roma, Suíça, América Latina, Prússia, com a secularização das escolas, expulsão dos religiosos, supressão dos seminários. A causa última dos ataques, dizia o Papa, provinha de várias seitas e da maçonaria. Após a morte de Pio IX, quando os seus restos mortais foram transferidos do Vaticano para a basílica de S. Lourenço fora dos muros, o cortejo fúnebre foi atacado por mações e anti-clericais que procuravam lançar o corpo do Pontífice no rio Tibre! Celebrações no Sameiro 3 – Decorreram cento e cinquenta anos, Portugal sempre dedicou uma devoção muito particular e profunda a Nossa Senhora da Conceição que, em Vila Viçosa, foi declarada sua Rainha. Em Braga, há cem anos, por ocasião das bodas de ouro da definição dogmática, foi erguido um santuário no Sameiro à Imaculada Conceição, cuja imagem foi coroada solenemente com uma coroa de ouro oferecida pelas mulheres portuguesas, incluindo a Rainha Dona Amélia. As comemorações nacionais dos 150 anos da promulgação do dogma serão festivamente celebradas neste Santuário Mariano do Sameiro. O Papa envia como seu delegado o cardeal brasileiro D. Eugénio Sales, arcebispo emérito do Rio de Janeiro, e atribuiu a Rosa de Ouro ao santuário como reconhecimento pela devoção à Mãe de Deus, que permanecerá como sinal de amizade do Papa e do seu amor e devoção a Nossa Senhora. O episcopado português publicou uma Nota Pastoral, convidando os cristãos «a um maior aprofundamento desta verdade de fé», e estará presente, na quase totalidade, nesta celebração nacional. A Solenidade da Imaculada Conceição celebra-se no coração do Advento e a liturgia apresenta a Mãe do Redentor como «aquela que acreditou na Palavra do Senhor». Contemplando Maria sob esta luz, a festa da Imaculada Conceição revela não apenas o destino da Mãe de Jesus, mas o de todos os crentes e a vocação própria de todo o homem e mulher criados por Deus. Em Maria tem início a Igreja esposa de Cristo, sem mancha e sem ruga, refulgente de beleza. Por isso a Igreja reconhece em Maria a misteriosa Beleza que ilumina o nosso tempo e nos prepara para o Natal do Salvador. O povo cristão da Madeira canta e implora, com ardor fora do comum nas missas chamadas do Parto, a Virgem que concebeu e dá à luz o Filho. Na noite de Natal, solenemente e com grande júbilo celebrará o Seu nascimento. Ao lado dos primeiros pais, Adão e Eva, que após o pecado fogem e se escondem de Deus que lhes dá a possibilidade de salvação, aparece Maria, a toda santa e resplandecente de Beleza, que se entrega e confia plenamente na graça de Deus. «Maria que não foi tocada pelo pecado, tem uma especial sensibilidade de afecto maternal para com aqueles que pecam, intercede por eles e acompanha-os, de perto, para que se convertam e vivam como verdadeiros filhos de Deus». (Nota Pastoral nº 2). Funchal, 5 de Dezembro de 2004 D. Teodoro de Faria, Bispo do Funchal