Bispo de Vila Real preocupado com falta de clero na Diocese

A diocese de Vila Real é conduzida há 15 anos por D. Joaquim Gonçalves, um bispo natural de Fafe que se rendeu aos encantos da natureza transmontana e às suas gentes. Em entrevista ao Diário do Minho, o prelado faz a radiografia da diocese e revela o que fez e o que planeia fazer no futuro Diário do Minho —Como encontrou a diocese de Vila Real? D. Joaquim Gonçalves — Entrei em 1987 e até Janeiro de 1991 permaneci como Bispo Coadjutor. A diocese estava canonicamente muito disciplinada, com profundo sentido de respeito pelo bispo, tanto ao nível do clero como do povo. Mercê de ser uma comunidade rural e reservada, encontrei disciplina mas faltava vivência interior da liturgia, da arte, da música sacra e ao laicado faltava consciência do seu papel participativo na Igreja. Que linhas pastorais estratégicas traçou depois? Como se tratava de um povo com prática sacramental, entendi ser importante explorar esse “filão” valorizando e aprofundando essa mesma prática litúrgica. Julgo que se conseguiram resultados. Ao nível da arte sacra, as igrejas foram revistas na dimensão do espaço litúrgico. Talvez tenha sido a maior “revolução” que se fez nas igrejas. Realizou-se um congresso de leigos, celebrou-se o Ano Mariano com peregrinações a todos os santuários marianos da diocese e assinalaram- se os 50 anos de sacerdócio de D. António Cardoso Cunha. Com tudo isto conseguiu- se uma maior valorização da prática religiosa. Procuramos rever também as estruturas materiais. A diocese só tinha um prédio que servia de seminário, casa episcopal, tipografia, entre outras coisas. A casa episcopal foi deslocada para o centro da cidade e no referido prédio ficou só a funcionar o Seminário e a Vigararia Geral. Com a saída dos seminaristas teólogos para o Porto, decidimos fazer no mesmo espaço a casa diocesana com 30 quartos e com uma série de salas, capela e auditório. Mas há uma nova obra? Acabamos de construir a Casa do Clero, junto à residência episcopal. Ainda não se encontra a funcionar, mas está já pronta a receber os sacerdotes mais idosos. Penso que a inauguração ocorra este ano. Há alguma área que esteja a marcar passo? Procuramos valorizar as áreas da catequese, dos jovens e da família. Mas neste último sector as coisas não têm corrido como desejamos. Os passos que foram dados têm-se revelado muito lentos e não está no ritmo que merecia. Como está então agora a diocese? Mantém-se na diocese um sentido de respeito pela figura do bispo. No entanto, nos últimos anos, registou- -se uma grande mudança sociológica. Vila Real já não é uma terra fechada para além do Marão; é uma praça aberta para todos os lados. Sociologicamente, a diocese sofreu uma profunda transformação. Este já não é um povo fechado e conservador, é aberto e acolhedor de todas as ideias. Daí resulta uma certa dificuldade, que se acentuou nos últimos anos, na evangelização. São necessários padres novos, adaptados às correntes sociais actuais, para conseguir-se resultados. De contrário, correm o risco de estarem a falar para um transmontano que já não existe. A geração abaixo dos 30 anos, embora mantenha uma sensibilidade tradicional, sente os problemas da globalização como em qualquer outro ponto do país. Como caracteriza o clero da diocese? O clero mais idoso é um grupo significativo, pois temos ainda 17 párocos com mais de 75 anos. A maior parte dos párocos têm entre 50 e 75 anos. Abaixo dos 50 anos, temos cerca de 40 sacerdotes. Os padres mais velhos são um clero zeloso da prática sacramental, não tendo muita facilidade no trabalho com os jovens nem com a pastoral criada pelo Concílio Vaticano II. O clero mais novo tem consciência da necessidade de intensificar a pastoral juvenil, a pastoral familiar e o acompanhamento dos emigrantes. Mas os padres mais novos, apesar de generosos, são mais frágeis, porque não conseguem vislumbrar resultados rápidos na sua acção e tendem a desanimar. Nestes 15 anos, como Bispo de Vila Real, ordenei 31 sacerdotes, recebi quatro vindos de fora e quatro abandonaram o sacerdócio. Ordenaram-se três bispos em Vila Real e um no Brasil. Apesar dos problemas da desertificação e da baixa de natalidade, temos 35 alunos no Seminário Menor (do 7.º ao 12.º ano), 17 no Seminário Maior e um em estágio pastoral. Há muitos padres a abandonar o sacerdócio? A diocese teve sempre um grande número de jovens padres que abandonaram o sacerdócio. Seremos a diocese com um maior índice de abandono do sacerdócio no país. Percentualmente, Vila Real deve atingir os 25 por cento de padres que abandonaram a sua missão. O povo já não se escandaliza com situações desse género, infelizmente porque já está “vacinado”. Depois das convulsões do 25 de Abril conheceu-se uma certa estabilidade. Nos últimos dois anos, quatro padres abandonaram o sacerdócio. Dois deles tinham sido ordenados em 1998, um em 1999 e outro em 2002. Tratavam-se de jovens que tinham iniciado o seu sacerdócio com muito entusiasmo mas não resistiram ao turbilhão de ideias, sentimentos e desafios, acabando por se afastar. O povo, mercê do hábito, não ficou admirado, mas, para os padres mais jovens, seus colegas, foi um choque. Os leigos têm-se empenhado nas comunidades? Hoje, os praticantes não chegam a 50 por cento em cada comunidade. Nas cidades, a prática dominical desceu aos 30 por cento. No entanto, os leigos quando convidados pelo pároco para tarefas nas comunidades são generosos e gostam de colaborar na administração paroquial e na liturgia. Vai mexer na estrutura da diocese? A diocese tem 264 paróquias, algumas das quais muito pequenas (uma delas não deve ter mais de 60 pessoas) e em zonas isoladas. Por isso, hoje, algumas delas não têm nenhuma razão de existir, mas também não será necessário extingui-las canonicamente, até porque isso não resolverá nada. Estamos a tentar implantar um sistema que passa pela criação de unidades pastorais. Na prática isso já existe dado que cada padre tem quatro ou cinco paróquias a seu encargo. Este é o rumo que será seguido, porque não há hipótese de ser outro. Por outro lado, apesar do turbilhão de ideias e ideais gerados pela globalização há pilares eclesiais que nunca mudam: a família, o sacerdócio, a missa ao domingo, os sacramentos. Não é uma mensagem de defesa mas de futuro e de estabilidade que os cristãos precisam de ouvir hoje dos seus pastores. Esta é a linha da minha pastoral para o futuro, aliada à necessidade de ajudar as pessoas a rezar. Gostava também de conseguir estabelecer na diocese uma comunidade religiosa contemplativa, que é uma lacuna. É público que tem alguns problemas de saúde… Cerca de quatro anos após ter sido ordenado bispo, comecei a sentir falta de ar e foi-me diagnosticado um problema asmático. Mas, quando vim para Vila Real, um médico disse-me que os meus sintomas não eram de asma, mas fruto de problemas cardíacos graves. Em 1988, fui operado pela primeira vez ao coração e, volvidos 12 anos, fui operado uma segunda vez. Com esta situação clínica nem sei como me tenho mantido em actividade tantos anos. Até quando pensa que será o Bispo de Vila Real? Pensei, quando fui operado pela primeira vez, que estava no fim. Completei agora 70 anos, de modo que, se Deus me der vida, continuarei até ao limite dos 75 anos. Se a Providência Divina entender que devo sair antes, com sinais de agravamento da doença ou com o fim da vida, tenho mesmo de sair antes. Mas, enquanto puder, como a diocese não é complicada, ficarei.

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