Bispo de Angra explica fé pascal

«Não tenham medo! Vêm procurar Jesus de Nazaré, que foi crucificado, mas Ele ressuscitou. Já não está aqui. Vejam o lugar, onde O tinham posto. Vão já avisar Pedro e os outros discípulos e digam-lhes: Ele vai para a Galileia, antes de vocês. Lá O hão-de ver, como Ele vos tinha dito» (Mc 16, 6-7). Foi esta a mensagem do Anjo às mulheres, todas alvoroçadas, por encontrarem o sepulcro vazio, na manhã de Páscoa. Elas vinham completar as unções fúnebres, apressadas no dia anterior. Grandes tinham sido as expectativas acerca de Jesus. Mas, com a tragédia da Cruz, tudo desabara. Não havia outro remédio, senão aceitar a ordem das coisas, prestando a última homenagem ao amigo, arrancado de forma tão dramática, ao seu convívio. 1. As mulheres da mensagem pascal foram surpreendidas por algo inesperado. A pedra tumular estava removida e o sepulcro vazio. Ficaram cheias de medo. É que a ordem das coisas tinha sido alterada. Tudo dava a entender que a história bonita de Jesus e com Jesus tinha acabado. Esperavam encontrar um corpo e depararam-se com um mensageiro celeste a dizer que essa história era relançada, porque Deus tinha ressuscitado Jesus de Nazaré, que as aguardava na Galileia. Galileia poderá significar muita coisa. Alude, claramente, ao lugar da mensagem e do projecto de Jesus. Foi na Galileia que Jesus inaugurou a Sua pregação e recrutou os primeiros discípulos. Esse foi o centro de irradiação do Seu ministério. O Mar da Galileia foi teatro de experiências inesquecíveis com os discípulos. Aí, numa colina sobranceira ao lago, Jesus proclamou as bem-aventuranças; no Tabor transfigurou-se; em Caná da Galileia, realizou o primeiro milagre. Na Galileia, onde os discípulos tinham retomado a faina habitual, após o drama da Cruz, Jesus Ressuscitado manifesta-Se pela terceira vez. «E nenhum discípulo se atrevia a perguntar-Lhe quem Ele era, porque sabiam muito bem que era o Senhor» (Jo 21, 12). Será igualmente na Galileia que, ao subir ao céu, deixará o mandato missionário: «Vão e façam com que os povos se tornem Meus discípulos… E saibam que estarei sempre convosco até ao fim do mundo» (Mt 28, 19-20). A Ressurreição é um novo tipo de presença de Jesus no meio dos Seus. Ressuscitado, Jesus está sempre connosco até ao fim dos tempos, sob sinais e figuras que O tornam presente e actuante. A nossa é uma fé pascal, precisamente porque é encontro com o Ressuscitado, que se torna nosso contemporâneo e companheiro de viagem, para partilhar connosco a vitória da vida sobre a morte e a opressão. «Galileia dos pagãos» – chama-lhe o evangelista Mateus – evocando o cumprimento da profecia de Isaías: «O povo, mergulhado na escuridão, viu uma grande luz. Luz que brilhou para os que estavam na região escura da morte» (Mt 4, 15-16). A nossa é uma fé pascal, porque aponta para a vitória final, a partir da realidade opaca em que vivemos, porque nos leva a «acreditar em Deus, a partir deste mundo… Queríamos acreditar em Deus, a partir da Ressurreição totalmente realizada, isto é, a partir do céu. Custa-nos acreditar em Deus e procurá-Lo, com Jesus Ressuscitado, no caminho que começa na Galileia… O medo das mulheres faz parte da história cristã. Não é o medo da morte, mas de uma Ressurreição, entendida como vida nova e forma de compromisso… «Às vezes pensamos que talvez tivesse sido melhor que Marcos, Mateus, Lucas e João contassem histórias maravilhosas da Ressurreição de Jesus, que nos fizessem ver a glória de Deus Pai, brilhando sobre o sepulcro e punindo os malvados… Ora esse não é o estilo de Deus, não é o Seu caminho» (Xabier Picaza, O Caminho do Pai, Gráfica de Coimbra, 2002, p. 208-209). 2. «Deus é Amor» – diz-nos S. João. É o título da primeira Encíclica do Papa Bento XVI, que nos conduz ao centro da fé cristã. «Nós cremos no amor de Deus… No início do ser cristão – explica o Papa – não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte… (nº 1). «Ninguém jamais viu a Deus, tal como Ele é em si mesmo. E, contudo, Deus não nos é totalmente invisível… Este amor de Deus apareceu no meio de nós, fez-Se visível, quando Ele “enviou o Seu Filho Unigénito ao mundo” (1 Jo 4, 9)… Na história de amor que a Bíblia nos narra, Ele vem ao nosso encontro, procura conquistar-nos – até à Última Ceia, até ao Coração Trespassado na Cruz, até às aparições do Ressuscitado… Na Liturgia da Igreja, na sua oração, na comunidade viva dos crentes, experimentamos o amor de Deus, sentimos a Sua presença e também, deste modo, aprendemos a reconhecê-Lo na nossa vida quotidiana» (nº 17). Se Deus é Amor, se tem o mundo nas mãos, porque não intervém perante tanto mal e injustiça, perante o sofrimento de inocentes? Não obstante tudo o que acontece no mundo, «os cristãos continuam a acreditar (…) “na bondade de Deus e no seu amor para com os seres humanos” (Tit 3, 4). Apesar de estarem imersos, como as outras pessoas, na complexidade dramática das vicissitudes da história, permanecem inabaláveis na certeza de que Deus é Pai e nos ama, ainda que o Seu silêncio seja incompreensível para nós» (nº 38). Como afirma Santo Agostinho, «se o compreendesses, não seria Deus». Mesmo na escuridão, a fé gera a certeza de que Deus é Amor. «Esse Amor divino é a luz – fundamentalmente, a única – que ilumina incessantemente um mundo às escuras e nos dá a coragem de viver e de agir» (nº 39). Assim, é possível desejar a todos, de verdade e com esperança, uma Páscoa Feliz, na certeza da vitória da fé, operante pela caridade. + António, Bispo de Angra

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