Biocombustíveis podem agravar crise alimentar

Religiosos seguem com atenção a cimeira da FAO e lembram direito à alimentação dos países mais pobres A solução dos biocombustíveis para fins energéticos é uma falsa questão e vai desencadear um novo problema. Esta visão é do Pe. José Augusto Leitão, da Rede África-Europa Fé e Justiça que alerta que os países mais pobres, em especial no continente africano. Em Abril, a Rede África-Europa Fé e Justiça – AEFJN lançou uma campanha que visa alertar para os riscos da aposta nos biocombustíveis sobre as populações mais pobres, frisando que a nova política energética europeia pode colocar em causa “o direito à alimentação dos africanos e dos países mais pobres”. Numa conjectura em que a Europa discute uma nova política energética, a campanha visa sensibilizar as instituições comunitárias para a necessidade de modificar a actual proposta de directiva da UE sobre política energética. O primeiro objectivo da campanha visa uma reflexão sobre a exigência de alcançar uma percentagem de 10% de biocombustíveis até 2020. O Pe. José Augusto Leitão indica que “se forem obrigatórios a Europa não tem capacidade de introduzir estes 10% a partir de produtos agrícolas” o que “vai obrigar a procurar terras e outros lugares onde produzir estes biocombustíveis”. A Rede manifesta a preocupação de África ser incapaz de negociar o arrendamento ou a exploração destes produtos. As empresas ao procurar o lucro, “irão à procura de terrenos férteis perto de infra-estruturas e até terrenos que estão a ser utilizados para a agricultura. As populações podem ficar com poucos terrenos para cultivar e podem passar a cultivar em exclusivo alimentos para exportação. Os alimentos básicos irão faltar ou encarecer substancialmente”, alerta o sacerdote. “A monocultura vai perturbar a biodiversidade e dificultar o acesso à água”, vaticina. A AEFJN pediu uma moratória para que o continente africano possa assumir a entrada neste negócio “sem a falta de géneros alimentares nem de alimentos básicos”. Esta situação vai ainda “acentuar das diferenças entre países do Norte e do Sul”. O Pe. José Augusto Leitão explica que este cenário impede o efectivar de um dos Objectivos do Milénio, nomeadamente a luta contra a fome. “Aumenta o número de pessoas que estão a viver em situação de miséria”. Crise anunciada O sacerdote indica que este cenário de crise alimentar já “estaria prevista”. No entanto o aumento do petróleo e a especulação, a crise imobiliária e as alterações climáticas são factores que colocam os géneros alimentares como fonte de negócio. Durão Barroso colocou uma sondagem no site da Comissão Europeia para saber se a União Europeia deve continuar ou não com o objectivo obrigatório dos 10% de biocombustíveis para os transportes. O Pe. José Augusto Leitão indica que 88% dos votantes se manifestaram contra esta medida. “A sociedade civil deve ter um papel interventivo nesta conjectura, mas deve primeiro ser informada do que está a acontecer, e não apenas das políticas”, sublinha. O Pe. José Augusto Leitão aponta falta de informação e denuncia a intenção do governo português de ser a favor dos 10% de biocombustíveis para além de querer antecipar em 10 anos o prazo para o seu estabelecimento. “Algumas fábricas que estavam a produzir, tiveram de fechar por falta de matéria-prima”. O problema situa-se nas políticas que podem resolver o problema energético. “É um problema que precisa de solução, mas de forma sustentada”, indica. O ambiente e a segurança ambiental “são questões essenciais”. O sacerdote aponta “precipitação” ao governo português e “lobbies muito fortes, nomeadamente do Brasil”. O país sul-americano é um dos defensores do etanol e dos biocombustíveis, apesar de estar “já a sofrer consequências em larga escala das monoculturas”. As deslocações para as grandes cidades são “consequência da falta de terras para cultivar e da falta de meios de subsistência”, que causam graves danos à vida na cidade que “nunca antes teve tantos habitantes como agora”. Os impactos sentem-se na quebra de produção agrícola e no aumento do consumo energético. “Houve um desincentivo à produção agrícola, muita acentuada em Portugal, para além de uma descoordenação”. E uma conjugação de vários factores “gerou uma crise muito grave com consequências energéticas e na segurança alimentar das pessoas”. O Pe. José Augusto Leitão pede soluções de emergência pois “as populações mais fragilizadas e mais pobres precisam de ajuda imediata”. Mas indica que as soluções a médio e longo prazo devem passar pelo incentivo à produção e no apoio aos países e populações que praticam agricultura primitiva, de modo a criar condições de desenvolvimento. Este responsável afirma que se for possível aproveitar os excessos de produção, ou encontrar soluções energéticas através da biomassa “são preferíveis”. O sacerdote rejeita fundamentalismos. Mas indica que “não podemos é colocar uma clausula de obrigatoriedade na utilização de alimentos para produção de energia”. Esta situação vai levar as pessoas a produzir a pensar nos combustíveis e não para a segurança alimentar. O sacerdote acompanha de perto a cimeira da FAO e sublinha a perspectiva de Bento XVI que “pede aos líderes uma imposição humana e menos económica”. “Esta é uma situação muito grave e estamos longe de saber quando vai terminar”, alerta o sacerdote que lembra que o impacto desta crise “nos países mais pobres pode desencadear convulsões sociais”. A Rede África-Europa Fé e Justiça foi criada em 1988 por vários institutos religiosos e missionários. Hoje engloba institutos que trabalham na África e na Europa e pretendem promover a justiça nas relações entre os dois continentes. Dispõe de um comité executivo e de um secretariado internacional com sede em Bruxelas, e de antenas nacionais em 11 países europeus, incluindo Portugal. Na sua acção de informação e advocacia, a AEFJN inspira-se na doutrina social da Igreja católica e tem como objectivo reunir e disseminar, entre as forças sociais e políticas europeias e africanas, informação sobre os dossiers mais relevantes das relações bilaterais entre a África e a Europa. Por isso, tem-se ocupado das questões relativas ao comércio, à alimentação e à saúde, ao controle do comércio das armas e dos recursos económicos na África.

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