Turquia rendida ao Papa que «reza na Mesquita» Bento XVI, já com a experiência de mais de ano e meio de pontificado, sabe que um gesto pode valer mais de mil palavras. A viagem à Turquia, rodeada de grande expectativa, correu melhor do que muitos aguardavam e mostrou um Papa que superou, com distinção, os testes que o esperavam. A imagem forte destes dias aconteceu quinta-feira, na Mesquita Azul, ficando para a história pelo momento de recolhimento do Papa, virado para Meca, e pelas mensagens de paz e respeito pelo Islão. Tão histórico, dizem muitos, como aquele em que vimos João Paulo II junto ao Muro das Lamentações, em Jerusalém, no ano 2000. Fraternidade, reconciliação, compreensão, paz e unidade foram as palavras-chave destes dias. Desde a sua chegada à Turquia, na terça-feira, o Papa enviou várias mensagens de reconciliação com os muçulmanos e os cristãos de outras confissões, incluindo apelos à cooperação concreta, mas sublinhando sempre a recusa da violência em nome da fé e a necessidade de liberdade para todas as comunidades religiosas, sobretudo as minoritárias. Todos os momentos da viagem mostraram um cuidado extremo na sua preparação: o Papa deixou uma citação de Ataturk, pai dos turcos, no livro de ouro do seu Mausoléu; passou por Santa Sofia como um mero turista, evitando qualquer pronunciamento ou atitude de oração que pudesse gerar mal-entendidos; apenas indirectamente se referiu ao “genocídio arménio” e nunca utilizou o termo “ecuménico” para falar do Patriarca Bartolomeu I. Estes exemplos mostram que, apesar dos ajustes de agenda que tiveram lugar, à última hora, Bento XVI chegou mais preparado a esta visita pastoral do nunca. “Amo os turcos”, disse o Papa mais do que uma vez, num gesto de estima muito apreciado. De mal-amado, Bento XVI sai da Turquia com a noção de dever cumprido, como o próprio afirmou, “por ter podido dar um sinal para o diálogo e para uma maior compreensão entre as religiões e as culturas, em particular com o Islão”. Afastando a ideia de uma viagem “política”, o Papa não deixou de abordar temas mais delicados, como a relação da Turquia com a Europa, a liberdade religiosa ou o terrorismo. Não houve banhos de multidão e o Papa celebrou Missas com assembleias invulgarmente pequenas, mas a mensagem passou: a Turquia deve dar o exemplo de respeito pelas outras crenças religiosas e pelos valores comuns a toda a Europa, para se poder aproximar dela. Este terá sido o maior estímulo que o Papa poderia ter dado à pequena comunidade católica local, para além da sua presença. Constantinopla Como já aqui se escreveu, Constantinopla era o verdadeiro destino desta viagem de Bento XVI. A capital do Império Romano do Oriente já não existe enquanto tal, mas é ainda a sede do Patriarca Bartolomeu I, “primus inter pares” dos Patriarcas Ortodoxos e um homem capaz de estimular, de forma significativa, o diálogo entre as duas Igrejas. A celebração da Festa litúrgica de Santo André, a 30 de Novembro, fica para a história do ecumenismo como a confirmação do potencial de uma “plataforma comum” católico-ortodoxa para afirmar os valores cristãos numa Europa marcada pelo crescente processo de secularização. O Papa e o Patriarca Ecuménico de Constantinopla assinaram uma declaração comum mais prática do que doutrinal, não referindo nunca os temas que os dividem. Os apelos feitos por Bento XVI e Bartolomeu I vão mais no sentido de se criar uma unidade de missão e de acção, com testemunho conjunto na UE, no Médio Oriente, na luta contra o terrorismo, na defesa do Ambiente ou dos mais pobres e desprotegidos. Os avanços teológicos, esses, cabem aos especialistas da Comissão Mista Internacional, que procura desde Setembro – após anos de interrupção dos trabalhos – aprofundar as questões levantadas pelo debate em volta do tema “Conciliariedade e Autoridade na Igreja” a nível local, regional e universal. O debate sobre a Missão universal do Papa foi lançado pelo próprio Bento XVI, num discurso pronunciado na igreja patriarcal de São Jorge. “O tema do serviço universal de Pedro e dos seus sucessores deu, lamentavelmente, origem às nossas diferenças de opinião, que esperamos superar, graças também ao diálogo teológico, retomado recentemente”, disse o Papa no final da celebração da Festa de Santo André, irmão de São Pedro. Bento XVI, teólogo de referência, sabe muito bem quais são as diferenças que separam as duas Igrejas e não foge ao tema. Por isso, frisou que o Papa, sucessor de Pedro como Bispo de Roma, tem uma “responsabilidade universal” e abriu as portas, na linha do que tinha feito João Paulo II, para o debate sobre novas formas de exercício para o “ministério petrino”.