Realização dos Jogos Olímpicos tem sido oportunidade para tentar melhorar as relações entre o Vaticano e a China, um processo longo e delicado Desde que foi eleito Papa a 19 de Abril de 2005, Bento XVI tem expressado a sua esperança no reatamento das relações entre o Vaticano e a China, interrompidas desde a Revolução Cultural e a subida ao poder de Mao Tsé-Tung. Desde o início deste pontificado registaram-se vários sinais de aproximação e de expressão de mútua boa vontade. A realização dos Jogos Olímpicos, que se iniciam esta Sexta-feira em Pequim, tem sido ocasião para variadas mensagens do Papa. No passado Domingo, por exemplo, Bento XVI aproveitou a celebração do Angelus, seguida por milhões de pessoas em todo o mundo, para enviar uma mensagem especial por ocasião dos Jogos. O Papa enviou as suas saudações à China e aos organizadores dos Jogos, para além de todos os participantes, “em primeiro lugar aos atletas”. “A minha cordial saudação, fazendo votos de que cada um possa dar o melhor de si, no genuíno espírito olímpico”, indicou. “Sigo com profunda simpatia este grande encontro desportivo – o mais importante e aguardado a nível mundial – e exprimo os mais vivos votos de que ele ofereça à comunidade internacional um válido exemplo de convivência entre pessoas das mais diversas proveniências, no respeito pela dignidade comum. Possa uma vez mais o desporto ser penhor de fraternidade e de paz entre os povos”, desejou Bento XVI. Já esta Quarta-feira, ao visitar a casa natal de São José Freinademetz (1852-1908), missionário que se dedicou à evangelização da China, o Papa disse que o país “mostra ter um papel importante na vida política, económica e também a nível ideológico”. Neste contexto, defendeu ser importante que este “grande país se abra ao Evangelho”. Bento XVI expressou também que o testemunho deste santo chegue a “muitos jovens, para que, corajosamente, dediquem a sua vida ao Evangelho”. Antes, no passado mês de Maio, o Papa dirigira-se a “todos os habitantes da China” para recordar a importância de Pequim 2008, uma manifestação que vai além do desporto. Os chineses, disse, “preparam-se para viver um momento de grande valor para toda a humanidade”. A intervenção papal teve lugar após o concerto que a Orquestra Filarmónica da China, a mais conhecida deste país, ofereceu no Vaticano. A Igreja na China, segundo o Papa 2007 ficou na história das relações entre o Vaticano e a China: Bento XVI publicou a aguardada “Carta aos Bispos, aos presbíteros, às pessoas consagradas e aos fiéis leigos da Igreja Católica na República Popular da China”. Na missiva, o Papa criticou as políticas restritivas da China, que”sufocam” a Igreja e dividirem os fiéis entre o ateísmo oficial e um catolicismo “clandestino”. Apontando os sinais de abertura, “é verdade que, nos últimos anos, a Igreja tem gozado de uma maior liberdade religiosa”, Bento XVI referiu-se ainda à existência de “sérias limitações” que “sufocam a actividade pastoral”. O Papa apela à unidade e reconciliação. Ciente de que a plena reconciliação “não poderá acontecer de um dia para o outro”, o Pontífice lembra que este caminho é “sustentado pelo exemplo e pela oração de tantas “testemunhas da fé” que sofreram e perdoaram, oferecendo as suas vidas pelo futuro da Igreja católica na China”. Na Carta, Bento XVI assegura que a Igreja “convida os fiéis a ser bons cidadãos, colaboradores responsáveis e activos a favor do bem comum do seu país”. Mas “é também claro ser obrigação do Estado garantir aos seus cidadãos católicos o pleno exercício da sua fé, no respeito de uma autêntica liberdade religiosa”. Pelo texto, o Papa expressa a sua apreciação pelo sofrimento que os católicos chineses passam, debaixo do comunismo. Ele afirma que a sua devoção à fé e a sua lealdade ao papa “será recompensada, mesmo que tudo possa parecer sem sentido”. O Papa critica a interferência do governo chinês em várias áreas da actividade da Igreja e afirma que a sua insistência em registar comunidades e declarar “oficiais” tem dividido a igreja e tem levantado suspeitas, acusações mútuas e recriminações. No entanto, Bento XVI, abre a porta aos registos governamentais acerca dos Bispos e das comunidades católicas, dizendo que é aceitável desde que não comprometa os princípios comuns da fé e da Igreja, sem deixar de afirmar que uma vez que esta “condição clandestina” não é normal na vida eclesial, o Vaticano espera que estes Bispos sejam reconhecidos pelo Governo. Bento XVI pede também a Pequim a liberdade de nomear os Bispos e sublinha a ideia de “uma Igreja independente” do Vaticano “é incompatível com a doutrina católica”. Isto assegura a todos os católicos chineses, divisões entre uma Igreja clandestina fiel ao Vaticano e uma Igreja oficial, “próximas na fraternidade” e apela à “unidade” e à “reconciliação” sob a sua autoridade. Com uma ideia de unidade, Bento XVI sublinha que todos os Bispos, mesmo aqueles que não são reconhecidos pelo Vaticano, “exerçam de forma válida o seu ministério”. O Papa sublinha ainda que a Igreja não se identifica com nenhum sistema político. Nem é sua missão “alterar a estrutura administrativa do Estado”, afirma. Não procura privilégios especiais na China, nem entre os seus líderes, mas “procura o diálogo”. Analisando com atenção a situação da Igreja na China, Bento XVI sabe que, de facto, a comunidade sofre intimamente por uma situação de fortes contrastes, na qual vê implicados fiéis e Pastores. Porém, destaca que esta dolorosa situação não foi provocada por diferentes posições doutrinais, mas pelo fruto do “papel significativo desempenhado por organismos, que se impuseram como principais responsáveis pela vida da comunidade católica”. Trata-se de organismos, cujas finalidades declaradas, especialmente a de actuar os princípios de independência, autogoverno e autogestão, não são conciliáveis com a doutrina católica. Esta interferência deu lugar a situações realmente preocupantes. Além disso, os Bispos e os sacerdotes sentiam-se muitos controlados e cerceados no exercício do próprio ofício pastoral. Bento XVI exprime o sincero desejo de que prossiga o diálogo entre a Santa Sé o Governo chinês, a fim de poder chegar a um acordo sobre a nomeação dos Bispos, ao pleno exercício da fé dos católicos mediante o respeito de uma autêntica liberdade religiosa e à normalização das relações das relações entre a Santa Sé e o Governo de Pequim. Problemas persistentes A Santa Sé já deixou transparecer que o Papa gostaria de visitar a China, caso fosse convidado. A China, contudo, exige que o Vaticano deixasse de reconhecer Taiwan como país independente da China (obtendo aparentemente o consentimento do Vaticano neste ponto) e que o Vaticano aceite também a nomeação dos bispos chineses por parte da Associação Patriótica, controlada pelo Estado. Nesta questão a posição da Santa Sé tem-se mantido inalterável. A questão de fundo reside, precisamente, no heroísmo dos fiéis da Igreja que, na China, permanecem fiéis ao Papa e a Roma. O regime chinês controla a Associação Patriótica Católica (APC) – com cerca de quatro milhões de seguidores -, nomeia os Bispos do continente e recusa o reconhecimento da autoridade do Vaticano, que tem cerca de oito milhões de fiéis na chamada “Igreja clandestina” chinesa. A APC tem dirigido uma violenta campanha, destinada a evitar qualquer aproximação entre Pequim e o Vaticano. Vários contactos informais têm sido desenvolvidos desde que Bento XVI sucedeu a João Paulo II, fazendo do estabelecimento de relações diplomáticas com a China uma das suas prioridades, algo que a APC vê como um perigo para a organização. A chave de solução poderá estar no processo de nomeação de Bispos para a China, mas nunca desautorizando o Vaticano. Qualquer cedência perante os homens do regime chinês poderia ser mal interpretada por todos aqueles que, ao longo de décadas, sofreram perseguição, foram presos ou enviados para “campos de reeducação”, celebrando às escondidas com receio das autoridades. Um caso semelhante aconteceu no pontificado de João Paulo II, com a comunidade greco-católica da Ucrânia, que sobreviveu na quase completa clandestinidade à repressão comunista na URSS. Apesar de saber que, ao acolher estes católicos, estaria a criar hostilidade duradoura junto da Igreja Ortodoxa da Rússia, nunca o Papa polaco sacrificou os chamados “uniatas” à negociação com Moscovo – abrindo um capítulo que ainda hoje é, provavelmente, o principal pomo de discórdia entre as duas Igrejas. Importa lembrar que é neste pontificado que, pela primeira vez na história, a Igreja tem um Cardeal de Hong Kong enquanto território chinês. O Cardeal Joseph Zen é um profeta incómodo para o governo comunista, mas a sua figura é um símbolo dos valores que não se podem sacrificar em nome da normalização das relações entre o Vaticano e China. O Consistório de 2006 deixou um sinal claro do que deverá ser a opção de Bento XVI no caso da China: o coração de um líder não pode, como é evidente, ignorar a coragem e a fé de quem nunca renegou a sua fidelidade a Roma, nem mesmo durante as mais duras perseguições.