Papa sublinha importância das convicções religiosas para a sociedade democrática, como «uma inspiração constante e uma força orientadora» Bento XVI tornou-se esta Quarta-feira o segundo Papa a visitar a Casa Branca, nos EUA, onde deixou um discurso que sublinhava a importância das convicções religiosas para a sociedade e a vida política. “Desde as origens da República, a busca de liberdade da América foi guiada pela convicção de que os princípios que governam a vida política e social estão intimamente ligados a uma ordem moral, baseada na soberania do Deus criador”, disse o Papa, que falou após uma intervenção de George W. Bush, presidente dos EUA. Bento XVI apresentou uma leitura da história norte-americana a partir do papel que tiveram “não só os católicos, mas todos os crentes”, os quais ali encontraram “a liberdade de adorar Deus segundo os ditames da sua consciência, sendo ao mesmo tempo aceites como parte de uma confederação na qual cada indivíduo e cada grupo pode fazer ouvir a sua própria voz”. Esta marca, precisou o Papa, está presente nos “documentos constitutivos desta Nação”, nos quais se proclamam a verdade evidente, por si mesma, de que todos os homens são criados iguais e dotados de direitos inalienáveis, fundados na lei da natureza e sobre o Deus desta natureza”. Ao longo desta história, as crenças religiosas “foram uma inspiração constante e uma força orientadora, como por exemplo na luta contra a escravidão ou no movimento pelos direitos civis”, indicou o Papa. “Como bem sabiam os vossos Pais fundadores, a democracia só pode florescer quando os líderes políticos e quantos eles representam são guiados pela verdade e levam a sabedoria, gerada pelo princípio moral, às decisões que dizem respeito à vida e ao futuro da Nação”, observou. Bento XVI começou por se mostrar “feliz por estar aqui como convidado de todos os americanos” e afirmou que se apresenta nos EUA “como um amigo” e um anunciador do Evangelho. Sublinhando que a liberdade, para além de ser um dom, é “também um apelo à responsabilidade”, o Papa apresentou condições concretas de uma verdadeira liberdade: “A defesa da liberdade exige que se cultive a virtude, a autodisciplina, o sacrifício pelo bem comum e um sentido de responsabilidade em relação aos mais desfavorecidos”. “Exige por outro lado a coragem de um empenho na vida civil, levando para o debate público as próprias crenças religiosas e os próprios valores mais profundos”, acrescentou. Aos católicos, em particular, pediu que contribuam ainda mais “na vida da nação”. O discurso foi rematado com o célebre “God Bless America”. Antes, o presidente Bush apresentou os EUA ao Papa como uma “Nação de oração” e de “compaixão”, que procura responder ao “apelo universal a dar de comer aos famintos”, trabalhando para “aliviar a pobreza” e “trazer a paz” a todos os pontos do planeta. George W. Bush referiu-se à “lei moral comum escrita em todos os corações” e frisou que, nos Estados Unidos, “fé e razão coexistem em harmonia”, algo que considerou uma das “grandes forças do país”. O presidente norte-americano aludiu aos actos de terrorismo que são justificados em nome da religião, dizendo a Bento XVI que “precisamos da vossa mensagem sobre o amor de Deus”. Contra a “ditadura do relativismo”, prosseguiu, o país espera ouvir o Papa, para abraçar uma cultura de “verdade”. “Toda a vida humana é sagrada” foi outra passagem do discurso presidencial, nesta caso sublinhada com uma salva de palmas dos presentes. Diplomacia Apesar de não ter deixado críticas à actual guerra no Iraque, o Papa convidou os EUA a “sustentar os esforços pacientes da diplomacia internacional para resolver os conflitos” e promover o progresso. “A América mostrou-se tradicionalmente generosa na resposta às necessidades humanas imediatas, apoiando o desenvolvimento e oferecendo apoio às vítimas das catástrofes naturais”, prosseguiu, nesta sua primeira visita ao país enquanto Papa. Bento XVI falou também da necessidade de “encorajar os esforços em curso” para tornar instituições como a ONU numa “voz ainda mais eficaz para as legítimas expectativas de todos os povos do mundo”. Este tema será retomado pelo Papa na sede das Nações Unidas, esta Sexta-feira, pedindo “uma solidariedade global e mais urgente do que nunca, se quisermos que todos possam viver de forma adequada à sua dignidade, como irmãos e irmãs que vivem na mesma casa”. O objectivo é que “as gerações futuras possam viver num mundo em que a verdade, a liberdade e a justiça possam florescer, um mundo em que a dignidade e os direitos dados por Deus a cada homem, mulher e criança, sejam tidos em consideração, protegidos e promovidos de forma eficaz”. Bento XVI e Bush seguiram para um encontro privado, enquanto que se ouvia entoar o “Parabéns a você” no dia em que o Papa completa 81 anos de vida, por cerca de 5 mil pessoas, nos jardins da Casa Branca. Clima de festa Minutos antes, logo ao sair da Nunciatura Apostólica, o Papa deparou-se com um grupo de crianças que entoaram os “Parabéns” em alemão e inglês. “Fantástico. Em inglês e alemão”, comentou Bento XVI, antes de começar o percurso para a Casa Branca, cumprimentando vários estudantes. Bento XVI foi recebido na Casa Branca pelo presidente Bush, a sua mulher e o vice-presidente Dick Cheney, com direito a honras militares. A bordo do avião que o levou na sua oitava viagem apostólica, o Papa anunciou que durante o encontro com o presidente George W. Bush irá pedir que os EUA aumentem a ajuda para os países latino-americanos, uma das formas de estancar, a longo prazo, a imigração para Norte. O Papa elogiou o “conceito positivo de laicidade” que existe nos EUA, considerando que o mesmo permite dar “autenticidade e liberdade à fé”. “É do interesse de todos que não haja mais pessoas necessitadas de emigrar, é do interesse dos Estados”, disse aos jornalistas presentes. É a segunda vez que um Papa se desloca à Casa Branca, depois da visita de João Paulo II, em Outubro de 1979, na presidência de Jimmy Carter. Nestes quase 30 anos, os Papas e os presidentes dos EUA encontraram-se em 25 ocasiões. Do ponto de vista diplomático, malgrado as divergências sobre a guerra no Iraque, a Santa Sé e os EUA têm reforçado as suas relações – a Nunciatura Apostólica apenas existe, como tal, desde 1984 -, sobretudo em campos como a defesa da vida e o papel da religião na vida pública. FOTO: Lusa