Bento XVI alerta para crise ecológica

Mensagem para o Dia Mundial da Paz 2010, apresentada no Vaticano, pede respostas «verdes» e nova solidariedade global

Bento XVI dedicou a sua mensagem para o Dia Mundial da Paz 2010 (1 de Janeiro) à defesa do ambiente, falando numa “crise ecológica” e apelando à comunidade internacional para que tome medidas que travem as alterações climáticas.

O documento, apresentado esta Terça-feira no Vaticano, tem como tema “Se quiseres cultivar a paz, preserva a criação“.

“Compete à comunidade internacional e aos governos nacionais dar os sinais certos para enfrentar de modo eficaz as formas de exploração do ambiente que são prejudiciais para o mesmo”, diz Bento XVI, para quem é urgente “promover a pesquisa e a aplicação de energias de menor impacto ambiental”.

O documento surge na recta final da Cimeira de Copenhaga, que procura um acordo global para travar os efeitos das mudanças climáticas. Para o Papa, é necessário reconhecer que “entre as causas da actual crise ecológica” está a “responsabilidade histórica dos países industrializados”.

A mensagem acrescenta, contudo, que também os países menos desenvolvidos e emergentes devem assumir as suas “próprias responsabilidades”, porque o “dever de adoptar gradualmente medidas e políticas ambientais eficazes pertence a todos”.

Nesse sentido, defende o Papa, são precisos “cálculos menos interesseiros na assistência, na transferência dos conhecimentos e tecnologias menos poluidoras”.

Para proteger o ambiente, tutelar recursos e o clima, sugere Bento XVI, é fundamental respeitar “normas bem definidas, também do ponto de vista jurídico e económico”, tendo em conta “a solidariedade devida aos que habitam nas regiões mais pobres da terra e às gerações futuras”.

O Papa alerta para “os perigos que derivam do desleixo, se não mesmo do abuso, em relação à terra e aos bens naturais que Deus nos concedeu” e elenca um conjunto de problemáticas que derivam de fenómenos como as alterações climáticas: “A desertificação, a deterioração e a perda de produtividade de vastas áreas agrícolas, a poluição dos rios e dos lençóis de água, a perda da biodiversidade, o aumento de calamidades naturais, a desflorestação das áreas equatoriais e tropicais”.

Bento XVI fala também dos “refugiados ambientais”,, ou seja, “pessoas que, por causa da degradação do ambiente onde vivem, se vêem obrigadas a abandoná-lo – deixando lá, muitas vezes, também os seus bens – tendo de enfrentar os perigos e as incógnitas de uma deslocação forçada”.

O acesso a recursos naturais, acrescenta, está na base de “conflitos, já em acto ou potenciais” e as questões ambientais “têm um impacto profundo no exercício dos direitos humanos, como, por exemplo, o direito à vida, à alimentação, à saúde, ao desenvolvimento”.

“Infelizmente temos de constatar que um grande número de pessoas, em vários países e regiões da terra, experimenta dificuldades cada vez maiores, porque muitos se descuidam ou se recusam a exercer sobre o ambiente um governo responsável”, lamenta.

Respostas verdes

Para Bento XVI, é preciso encorajar as pesquisas que “visam identificar as modalidades mais eficazes para explorar a grande potencialidade da energia solar”.

“A mesma atenção se deve prestar à questão, hoje mundial, da água e ao sistema hidrogeológico global, cujo ciclo se reveste de primária importância para a vida na terra, mas está fortemente ameaçado na sua estabilidade pelas alterações climáticas”, acrescenta.

Na mensagem pode ler-se que “um dos nós principais a enfrentar pela comunidade internacional é, sem dúvida, o dos recursos energéticos, delineando estratégias compartilhadas e sustentáveis para satisfazer as necessidades de energia da geração actual e das gerações futuras”.

O Papa fala ainda da importância de “estratégias de desenvolvimento rural centradas nos pequenos agricultores e nas suas famílias”, bem como de “políticas idóneas para a gestão das florestas, o tratamento do lixo, a valorização das sinergias existentes no combate às alterações climáticas e na luta contra a pobreza”.

“São precisas políticas nacionais ambiciosas, completadas pelo necessário empenho internacional”, observa Bento XVI, convidando a “sair da lógica de mero consumo para promover formas de produção agrícola e industrial que respeitem a ordem da criação e satisfaçam as necessidades primárias de todos”.

“A questão ecológica não deve ser enfrentada apenas por causa das pavorosas perspectivas que a degradação ambiental esboça no horizonte; o motivo principal há-de ser a busca duma autêntica solidariedade de dimensão mundial, inspirada pelos valores da caridade, da justiça e do bem comum”, prossegue.

Novos modelos

O Papa considera que a crise ecológica “oferece uma oportunidade histórica para elaborar uma resposta colectiva tendente a converter o modelo de desenvolvimento global segundo uma direcção mais respeitadora da criação e de um desenvolvimento humano integral”.

Por isso, a mensagem assinala que não se pode avaliar a crise ecológica “prescindindo das questões relacionadas com ela”, desafiando a “uma revisão profunda e clarividente do modelo de desenvolvimento” e “o sentido da economia e dos seus objectivos, para corrigir as suas disfunções e deturpações”.

“A humanidade tem necessidade de uma profunda renovação cultural, precisa de redescobrir aqueles valores que constituem o alicerce firme sobre o qual se pode construir um futuro melhor para todos”, escreve Bento XVI.

Segundo o Papa, as várias situações de crise que o mundo atravessa – de carácter económico, alimentar, ambiental ou social – “são também crises morais e estão todas interligadas”.

A degradação ambiental, indica, “põe em questão os comportamentos de cada um de nós, os estilos de vida e os modelos de consumo e de produção hoje dominantes, muitas vezes insustentáveis do ponto de vista social, ambiental e até económico”.

Retomando o que escrevera na sua terceira encíclica, Caritas in veritate, Bento XVI precisa que “os deveres para com o ambiente derivam dos deveres para com a pessoa considerada em si mesma e no seu relacionamento com os outros”.

O Papa encoraja a educação para “uma responsabilidade ecológica” que salvaguarde “uma autêntica «ecologia humana» e consequentemente afirme, com renovada convicção, a inviolabilidade da vida humana em todas as suas fases e condições, a dignidade da pessoa e a missão insubstituível da família, onde se educa para o amor ao próximo e o respeito da natureza”.

Bento XVI não deixa de referir que a Igreja “exprime perplexidades acerca de uma concepção do ambiente inspirada no ecocentrismo e no biocentrismo”, considerando que “tal concepção elimina a diferença ontológica e axiológica entre a pessoa humana e os outros seres vivos”.

Em conclusão, o Papa afirma que “proteger o ambiente natural para construir um mundo de paz é dever de toda a pessoa”, vendo no combate à actual crise “uma oportunidade providencial para entregar às novas gerações a perspectiva de um futuro melhor para todos”.

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Agência ECCLESIA

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